“Se por
vinte anos, nesta furna escura,
Deixei dormir a minha maldição,
Hoje, velha e cansada amargura,
Minha alma se abrirá como um vulcão.
E, em torrentes de cólera e loucura,
Sobre a tua cabeça ferverão
Vinte anos de silêncio e de tortura,
Vinte anos de agonia e solidão...
Maldita sejas pelo ideal perdido!
Pelo mal que fizeste sem querer!
Pelo amor que morreu sem ter nascido!
Pelas horas vividas sem prazer!
Pela tristeza do que eu tenho sido!
Pelo esplendor do que eu deixei de ser!...”
(Maldição – Olavo Bilac)
Prezados
e Prezadas agora Professores e Professoras de Educação Física da
UFPA/Castanhal...
Prezados
e Prezadas Companheiros e Companheiras de Trabalho, Labuta, Profissão...
Minhas
saudações.
Cumprimento,
também, nestas palavras que celebram a formatura de vocês, o colega de
Faculdade, professor Euzébio de Oliveira, homenageado com o nome da Turma.
Hoje,
desta vez, passo apenas com uma expressão escrita, mas não menos honrado em
poder me dirigir à esta turma que, agora, é de Professores e Professoras. Turma
com a qual tive pouca convivência em sala, mas pude conviver nos corredores,
nos eventos, nos diálogos e na recepção em meus tempos de Diretor da Faculdade
e que, aos poucos, pude ir guardando o nome de cada um e cada uma de vocês.
Expressão, portanto, de que nossa convivência seguiu para além da sala de aula
e assim espero que possa seguir daqui por diante.
De
qualquer maneira, não poderia passar em branco neste dia 16 de dezembro, data
que entra para a história desta cidade, deste estado, deste país e da
humanidade (com suas muitas histórias e estranhas versões) como o dia a qual,
na nossa singularidade, é mais um dia importante em nossas vidas. A de vocês,
que completam mais um ciclo... a nossa (professores), que vemos em nosso ciclo
atual de docência, mais uma turma se consagrando.
E Hoje é
16 de dezembro.
Gosto,
neste diálogo com professores que se formam, de passear na história da
humanidade (o quanto nos é possível, claro) para tentar pensar algumas lições.
Sim, a história sempre deixa e continuará deixando lições e elas servem para
aprendermos, quer concordemos com elas ou não. Mas é estranho este nosso mundo,
porque a “história oficial” normalmente é contada à luz de um velho ditado que
diz: “A história do leão sempre é contada pelo caçador”. Alegoricamente
falando, nunca pensamos em perguntar ao leão porque ele atacou o caçador.
Ou seja,
a história normalmente é contada pelos conquistadores, pelos colonizadores,
pelos que tem acesso a escreve-la e divulga-la. E isso, por si só, tornam as
lições mais difíceis de serem entendidas e apreendidas. Mas, ainda assim, vale
a pena recorrer a elas.
O Poema de
Olavo Bilac que abre estas palavras (poeta Brasileiro, nascido em um 16 de
dezembro, no século XIX), por mais duras que pareçam para uma saudação em dia
de celebração, à bem da verdade dão o tom do que se inicia neste país para, exatamente,
os próximos 20 anos... É, portanto, uma “epígrafe poética da nossa realidade” e
é preciso ficarmos atentos.
Por
outro lado, as palavras que se seguem, neste texto, dirão outra coisa, pois se
fundamentam justamente em um termo que, até para nós (hoje, todos/as, Professores
e Professoras de Educação Física) é, ainda, muito maltratado: MOVIMENTO. Ou
seja, os próximos 20 anos não serão o que o governo brasileiro e as
instituições que a ele se acomunaram (congresso) e acovardaram (justiça) a ele
e ao Capital querem que seja, se percebemos que a história, por nossas mãos e
corações, se movimenta.
Falemos da
História em seu movimento, portanto.
Em um 16
de dezembro, digamos, longínquo (1773), ainda às vésperas da Independência mais
“conhecida” dos livros didáticos mundo afora (falo dos EUA), um ato de revolta
da ainda colônia inglesa foi deveras interessante – e registrada como um dos
estopins do que viria a se tornar a independência daquele país: foi a chamada “Festa
do Chá de Boston”. Tratava-se de um levante de colonos ingleses e trabalhadores
portuários da cidade de Boston contra uma taxação a um dos produtos mais
consumidos naquelas terras, o chá, e, também, contra a obrigação de o mesmo só
poder ser adquirido pelas mãos da Companhia das Índias (que era inglesa). A tal
“Festa” se caracterizou com o lançamento de todo carregamento de chá que
chegava ao porto, naquele dia, ao mar... Cerca de 45 toneladas de chá ao mar.
Claro, o que se seguiu daquele ato foram confrontos bélicos desproporcionais,
pois eram “trabalhadores” desafiando “senhores”.
Os EUA,
anos depois, tornou-se um país independente e, não menos, mais um país disposto
a conquistar o mundo (assim como seus antes colonizadores).
Assim, tempos
depois, já em inicios do século XX, já vivíamos um período em que as grandes
potências do hemisfério norte (Europa e EUA) controlavam cerca de 84% dos
territórios do globo terrestre... Reparem: 84% do mundo “pertenciam” direta e
indiretamente a alguns países apenas. E isso ainda se faz presente.
Mas, e o
movimento da História? Qual seria?
As
revoltas populares realmente são interessantes: neste caso, uma revolta de uma
colônia inglesa (enfrentando as leis de seu colonizador e seu conluio com
interesses privados – a Cia da Índias) que transforma um país em uma potência
imperialista que faz, exatamente, o que enfrentou séculos antes: coloniza,
ocupa territórios e impõe seu modo de vida, consumo, valores etc.
Percebam:
é mais ou menos assim que funciona. A gente quase que aceita as relações de
poder como “naturais” sem nos darmos conta dos caminhos da história (e a
história não caminha sozinha, ela é feita por homens – inclusive na
resistência) que as conduziram.
Assim o
é até neste nosso “microlugar” chamado Faculdade de Educação Física que, agora,
vocês estão se despedindo. Isso acontece até neste campo de atuação à qual nós
escolhemos atuar e contribuir com a sociedade.
Precisamos,
portanto, reconhecer o nosso lugar nesta história e nestas relações de poder e,
mais ainda, assumir franca e fraternalmente, o nosso lugar nesta história e
nestas relações. A lição, aqui, é simples: que possamos reconhecer qual o lado
que luta para viver dignamente e qual o lado que “luta” (assim, entre aspas,
para não macular esta palavra tão valiosa) para continuar a explorar os que
querem viver dignamente e, reconhecendo-os, saber qual lado nós ficaremos...
Convido-os a ficarem ao lado daqueles que lutam, de verdade, sem aspas, no
sentido mais profundo deste termo.
Numa alegoria
às 45 toneladas de chá lançados ao mar, naquele longínquo 16 de dezembro de
1773, que possamos fazer a história chegar ao dia em que não lancemos ao mar
(para não poluir), mas façamos uma grande fogueira com as carteirinhas do
CONFEF/CREF e seus valores, conceitos, imposturas e imbecilidade com a qual
dizem representar a nossa área.
Vocês
estão concluindo o curso neste fim de ano de 2016. Pelas nossas contas, um
pouco mais tarde do que previsto, haja vista as constantes lutas que
trabalhadores e estudantes desta Universidade vem empreendendo nos últimos anos
e, por duas vezes pelo menos, envolveu a formação de vocês. Aliás, espero que
tenham aprendido com essas lutas também.
Mas,
pela história – falo deum outro dezembro de 2016, fins de 1905 – o que ela nos
marca me consome pela tristeza do fato em si e, também, pela alegria (pela
história, que está sempre em movimento) e pela esperança que ela germinou na
Classe Trabalhadora daquele longínquo ano,
Afirma-se
nos registros da história da luta operária internacional que foi em 16 de
dezembro 1905 que sovietes (que eram fortes lideranças daquele ano
revolucionário, ainda que derrotado, organizados em “conselhos operários”)
foram presos ou colocados na ilegalidade, além de outros oposicionistas ao
governo do Czar Nicolau II, na Rússia. Um fato pontual de um ano histórico
naquele país.
E aqui,
novamente, nossa expressão de que a história se constrói pelo movimento dos
homens e mulheres que a ditam. Aquele ano de 1905 foi, certamente, uma grande
semente para a Revolução de 1917 que se avizinhava (e 12 anos na história da
humanidade é como um grão de areia no deserto). Faz parte daquele 16 de
dezembro uma data anterior, 22 de janeiro de 1905, e que a história denominou
como “Domingo Sangrento”.
Eram
cerca de um milhão de pessoas... em marcha... em direção ao palácio imperial de
Nicolau II... Naqueles tempos, é preciso notar, a população de um país – e territorialmente
um grande país, como a Rússia – inclusive sua população mais pobre, via no Czar
um pai, aquele sujeito supremo que o protegeria diante de suas mazelas e fome.
Um povo que adora seu líder.
Era um
milhão de pessoas que seguiam para falar com seu pai e deixar que ele soubesse
como seu povo estava sofrendo. Um milhão de pessoas com uma carta, uma única
carta em mãos, na qual diziam:
“Estamos numa situação miserável, somos
oprimidos, sobrecarregados com excesso de trabalho, insultados, não nos
reconhecem como seres humanos, somos tratados como escravos. Para nós, chegou
aquele momento terrível em que a morte é melhor do que a continuidade do
insuportável sofrimento”
E o Czar
recebeu seus filhos... a bala.
A
história não registrou quantos tombaram... mas registrou que de uma grande e
dura derrota de um movimento que era pacífico e paterno, germinou o ano de
1917, com a Revolução Russa de outubro.
A
tristeza pelos que tombaram e a esperança pelo que veio a seguir, anos depois.
É desta lição que, agora, vos falo.
Não
tenho ilusão, meus caros hoje Professores e Professoras de Educação Física. Não
é fácil tirar lições da história da humanidade e, nestes tempos em que vocês
são levados, todos os dias, a pensar em si (no seu “cada qual com seu cada qual”),
a buscar um lugar no tal “mercado de trabalho”, a defender o direito individual
de vocês à revelia do direto do outro (e o outro pode ser uma sociedade
inteira), em que somos – inclusive durante a nossa formação – convencidos a
valorizar a coisa mais do que as relações humanas... não é fácil dizer essas
palavras em tempos tão individualistas.
Mas, se
a história (mesmo quando contada apenas pelos opressores – que se fazem de
heróis) deixa sempre algo concreto, é que ela é forjada pela Luta. Até os
opressores não podem negar isso.
Hoje, 16
de dezembro, a “casa” de vocês encerrou um pequeno ciclo e colegas, diria companheiros
e companheiras de estudos de vocês foram protagonistas deste ciclo: a
UFPA/Castanhal estava ocupada e, enquanto tal, não faltaram tentativas insanas
e irresponsáveis, até mentirosas, de desqualificar o movimento, em sua forma e
conteúdo. Até entre vocês que aqui estão hoje se formando. E entre parte
daqueles que contribuíram com a formação de vocês.
Hoje, 16
de dezembro de 2016, eles também escreveram na história de vocês e deixaram
registrado pelo que, por quem, para quem lutaram durante semanas:
“Estamos muito orgulhosos de todos os estudantes
que ocuparam escolas, universidades e institutos federais, de todos que foram às
ruas e deram a cara à tapa, que levaram spray de pimenta e bala de borracha. Nossa
luta não acabou, elas está só começando. [...] Nosso grito de ordem é resistência” (Carta do Movimento de Ocupação da UFPA/Castanhal)
Assembleia dos Estudantes da UFPA/Castanhal - deflagração da ocupação |
Meus
caros hoje professores e professoras de Educação Física, eu tenho que perguntar:
pelo que vocês Lutam? Por quem vocês Lutam? E, claro, contra o que e contra
quem vocês Lutam?
Se estas
perguntas ainda estão em construção para cada um e cada uma de vocês e, também,
no pensamento coletivo de vocês, construído ao longo destes pouco mais de
quatro anos, deixo aqui uma lição a mais: Lutem pela Humanidade...
Que a
cada injustiça cometida contra qualquer pessoa, a qualquer tempo e em qualquer
lugar do mundo possa mover o coração e a força de vocês. E se concordarem com
este princípio, como diria Che Guevara, somos companheiros... Talvez possamos
dizer “somos camaradas”... E talvez a certeza de todos os dias, lutarmos lado a
lado.
E,
parece-me, estamos vivendo tempos intensos de luta.
Pela
Educação Física na Educação Básica... e pela Educação Básica propriamente dita.
Pela Educação
Física na Saúde... e pela Saúde Pública propriamente dita.
Pela
Formação Superior em Educação Física e pela Universidade Pública.
E
quantos desafios e quantas lutas estamos sendo convocados todos os dias...
Nestes
tempos em que o Estado Brasileiro e suas instâncias todas (legislativa, executiva
e judiciária) parecem optar pelo escárnio em nome da manutenção do poder e dos
favores que preferem manter ao Capital, em detrimento do aprofundamento da
perda de direitos, da miséria batendo na porta de seu povo... Nestes tempos em
que até listas de trabalhadores grevistas e estudantes ocupantes das
Universidades e Escolas são solicitadas pelo Estado...
Nestes tempos
em que vemos tantos jovens, tantos trabalhadores, tantos professores ainda
presos em seu silêncio ensurdecedor, cientes de que tá tudo errado mas
defendendo um “sigamos a vida como se nada estivesse acontecendo”...
Nestes tempos
em que mal cabem nestas palavras detalhar, o convite desta lição parece-me tão
importante quanto necessário: voltem a esta casa. Afinal, se é verdade que esta
casa, a Universidade, é a casa da Sabedoria (como expressão dialética do
conhecimento), então, que vocês saiam hoje daqui, neste dia 16 de dezembro,
lembrando que na cultura romana antiga, hoje é o dia do Festival de Sapientia,
ou da Sabedoria...
E se
voltarem, que possam fazer no sentido de lutar por ela, todos os dias. E lutar
por esta universidade tão atacada e destruída pelos interesses do capital (e isso
se faz de maneiras tão singelas que até quando há notícias de recursos para
ela, há quem comemore, sem entender o que há por trás... ou o que se retirou),
pelos interesses da “indústria da educação”, significa lutar para que ela seja
cada vez mais pintada de negra, camponesa, quilombola, trabalhadora, operária,
pobre, mulher... pintá-la de revolucionária, por que não?
E, portanto,
o convite à juventude que hoje se forma é este também: convido-os a serem
revolucionários!
Pois
bom...
Gostaria,
humildemente, de aproximar-me do final destas palavras com algo mais pessoal,
mais particular, mais singular. Mas, também, como uma homenagem... um presente,
no sentido mais comunista da palavra. Um presente que não é “coisa”, que não
para nosso consumo. Um presente que nós (eu) damos sobre nós (eu) para vocês.
Em 1770,
também em um 16 de dezembro, nascia um dos maiores compositores da história, o
alemão Ludwig van Beethoven. Um nome da música clássica.
E,
também neste 16 de outubro, a cidade de Caicó, no Rio Grande do Norte, se
emancipava e, portanto, celebra seu aniversário. É de Caicó uma das figuras
mais importantes da história política, artística e jornalística brasileira...
Mas ele não estava ao lado da “história oficial”, por isso, pouco sabemos.
Em
Caicó, no ano de 1913 (ainda que não num 16 de dezembro), nascia Hiram de Lima
Pereira: jornalista, comunista, ator (um dos fundadores do Movimento de Cultura
Popular em Recife) e jornalista... Desaparecido político, capturado, preso,
torturado em 1975.
Meu
avô...
– Hiram
de Lima Pereira, Presente! (Strovézio)
–
Presente! (em côro, todos os artistas deste picadeiro)
Hiram
foi pai de quatro meninas: a mais velha, Nadja Pereira (minha mãe).
Beethoven,
Caicó (e Hiram de Lima Pereira) e minha mãe se encontram neste dia 16 de
dezembro de 2016.
Confesso:
se eu pudesse me fazer presente hoje, da tribuna, com a palavra podendo ser
proferida a vocês, pediria um pouco menos de cinco minutos a mais para uma
canção e convidaria minha mãe para toca-la a vocês. Como disse acima, como um
presente.
Para situações
como essa, um piano colocado no centro deste picadeiro de terra batida e lona
furada de circo, já nos é humildemente suficiente.
Vida
Longa à Turma Euzébio de Oliveira.
Vida
Longa à Turma 2012.2 de Professores e Professoras de Educação Física da UFPA/Castanhal.
Venham
Todos!
Venham Todas!
Fiquei sem palavras !!
ResponderExcluirQuanto sabedoria, quanto respeito por nossa turma, quanto respeito por nós que agora somos colegas de profissão.
Sem dúvida o senhor é um grande diferencial no quadro de professores da Ufpa.
Meu imenso carinho e respeito sempre a você. E meu muito obrigada por ser sempre tão atencioso para conosco.
Gratidão. ������������
Roberta Cantão.
Qeurida Robertha...
ResponderExcluirSalve Salve...
Para nós, foi uma honra poder trabalhar com vocês e é, também, um momento sempre muito rico e de grande orgulho poder deixar mais do que "aulas" e trabalhos, mas deixar palavras... elas vencem o tempo...
Meu abraço forte e fraterno!