RESPEITÁVEL PÚBLICO!

VENHAM TODOS! VENHAM TODAS!

domingo, 26 de dezembro de 2010

O dia em que vi Deus... por Frei Beto...


          "Natal é a "despapainoelização" do espírito. É quando o coração torna-se manjedoura e, aberto ao outro, acolhe, abraça e acarinha. Violenta-se quem faz da festa do Menino Jesus uma troca insana de mercadorias. Quantas ausências nesses presentes!
          Em pleno verão, nos trópicos, o corpo empanturra-se de nozes e castanhas, vinhos e carnes gordas, sem que se faça presente junto àqueles que, caídos à beira do caminho, aguardam um gesto samaritano.
          Ainda criança, em Minas, aprendi com meus pais a depositar junto ao presépio a lista de meus sonhos. Nada de pedidos a Papai Noel. No decorrer do advento, eu engordava a lista: a cura de um parente enfermo; um emprego para o filho da lavadeira; e a paz no mundo. 
         Meu pai insistia para que eu registrasse meus sonhos mais íntimos. Aos 8 anos, escrevi: "Quero ver Deus". Minha mãe ponderou: "Não basta Nossa Senhora, como as crianças de Fátima?". Não, eu queria ver Deus Pai. Nem imagens dele eu encontrava nas igrejas, que exibem, de sobejo, ícones de Jesus e pombas que evocam o Espírito Santo.
           Na tarde de 25 de dezembro, meus pais levaram-me a um hospital pediátrico. Distribuímos alegria e chocolate às crianças, vítimas de traumas ou tomadas pelo câncer e por outras enfermidades. Fiquei muito impressionado com um menino de 6 anos, careca. 
         Na saída, mamãe indagou-me: "Gostou de ver Deus?". Fiquei confuso: "Só vi crianças doentes", respondi. Então ela me ensinou que a fé cristã reconhece que todos os seres humanos são imagem e semelhança de Deus. Por isso é tão difícil ver Deus. Pois não é fácil encarar a radical sacralidade de todo homem e de toda mulher.
           Aos poucos entendi que o modo de comemorar o Natal forma filhos consumistas ou altruístas. E descobri que Deus é tanto mais invisível quanto mais esperamos que Ele entre pela porta da frente. Sorrateiro, Ele chega pelos fundos, via um sem-terra chamado Abraão; um revolucionário, de nome Moisés; um músico com fama de agitador, Davi; uma prostituta, Raab; um subversivo conhecido por Jeremias; um alucinado, Daniel; um casal de artesãos que, recusado em Belém, ocupa um pasto para trazer o Filho à vida: Maria e José. 
          No Evangelho de Mateus (25, 31-46) Jesus identifica-se com quem tem fome e sede, é doente ou prisioneiro, oprimido ou excluído. Aqueles que para os "sábios" são a escória da sociedade, para Deus são os convidados ao banquete do reino. 
          Desde então aprendi que Natal é todo dia, basta abrir-se ao outro e à estrela que, acima das mazelas deste mundo, acende a esperança de um futuro melhor. Sonhar com um mundo em que o Pai Nosso transpareça na grande festa do pão nosso. Pois quem reparte o pão partilha Deus". (Frei Beto - Folha de São Paulo de 24 de novembro de 2000)

        Esta crônica de Natal é de Frei Beto (frade dominicano e escritor, é assessor de movimentos sociais e pastorais e autor do romance sobre Jesus "Entre Todos os Homens" Ática, entre outros livros) e foi enviado por uma grande amiga de São Paulo... 

Aos ollhos do Universal Circo Crítico, nossa melhor expressão de desejo de Feliz Natal... mesmo um dia depois...
Venham Todos!
Venham Todas!
Vida Longa!
Marcelo "Russo" Ferreira

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

O Preconceito à deriva...


 
 
¿Que caso tienes quitarnos
el pasamontañas
si para ustedes
todos los índios
son iguales?
(Por que temos
que tirar o capuz
se, para vocês,
todos os índios são iguais?”)
(Subcomandante Marcos)



            Alunos de Direito (e tantos outros, em nível superior ou secundaristas. declaram: “Morte aos Nordestinos” e o “Fim dos Índios do Norte!”.
            No interior de São Paulo, em outro Campus Universitário, mais uma edição dos Jogos Universitários da UNESP (que confraternizam) e as atividades paralelas: festas, bebidas, sexo, drogas e... “Rodeio das gordas!” (que, no português correto, parece mais com “Rodeio NAS gordas”!).
            No Rio Grande do Sul, nazistas e neo-nazistas ameaçam senador e ex-ministra negros... não por conta de alguma denúncia comum no mundo da política, mas por serem negros.
            No período eleitoral, na silenciosa carona do pseudo debate em torno do tema aborto (já comentado aqui) o ódio expresso (e não apenas religioso, diga-se) à defesa dos direitos civis aos casais homossexuais.
            Sem contar os casos de “bullyng político”, em que crianças cujos pais votaram em Serra/Alckimn amedrontavam crianças cujos pais votaram em Dilma/Mercadante (em São Paulo)
            Possivelmente, nos declinaríamos em exemplos incontáveis: o rico que se incomoda com a ascensão econômica do pobre que passa a freqüentar lugares comuns; homossexuais que passam a ter seus direitos CIVIS conquistados e garantidos; mulheres solteiras que querem ter filhos... se sairmos de nossas fronteiras nacionais, veremos os índios bolivianos querendo decidir sobre seu país, revolucionários colombianos lutando pela soberania pátria e pequenas ilhas da América Central lutando para que sua riqueza pertença a seus filhos. Ah! O direito de votar sem ser ameaçado por ninguém.
            Negros/as, gordos/as e nordestinos/as é, à bem da verdade, a menor parcela que conseguiu se tornar “notícia pública” daquilo que todos os dias se constrói em nossa sociedade: a tolerância tem um limite de tolerância; “não respirem o mesmo ar que eu respiro” é a fronteira.
            Cada um dos exemplos citados expressa, à sua maneira, uma mesma postura e, por parte de nosso picadeiro e respeitável público, o mesmo dilema: quem está educando nossas crianças e jovens? Quem está formando e fortalecendo os valores de intolerância de nossa sociedade? Por que parece-me bastante evidente que os mesmo que condenam os “terroristas” que enfrentaram a Ditadura Militar (meu avô? Um terrorista? Sem chance...) evocam fim aos nordestinos, aos negros, aos pobres (“mantenham em número suficiente para ter um porteiro e uma empregada doméstica à minha disposição” diriam), aos gays, aos índios?
            Não é lugar incomum os “atletas do Rodeio das Gordas”, os xenófobos internautas contra o Nordestino e o índio da Amazônia e os nazistas do sul, dentre outros. Frequentam o mesmo lugar, com os mesmos princípios e os mesmo valores e continuarão a defendê-los.
            Quando montar em mulheres gordas passa a ser apenas uma “brincadeira”, quando desejar a morte aos nordestinos passa a ser apenas uma “manifestação espontânea de pleito eleitoral”, quando o nazismo passa a ser defendido apenas como uma “ideologia”, parece-me cada mais evidente, sombrio e concreto, o clamor de Rosa Luxemburgo a quase um século (1916): “Socialismo ou Barbárie”.
            A barbárie, nestas expressões todas, se caracteriza justamente pelo caminho que nosso conhecimento, nossa cultura percorre, a um fatal encontro com a intolerância.
            Não se trata de buscarmos nos livros escolares, nos lares (o conservadorismo tradicional de famílias tradicionais) ou na ausência de Leis esta resposta. E não se trata de uma resposta que procure encontrar o “fim do preconceito”... Trata-se de olharmos para tudo aquilo que nos rodeia e acreditar “opa! Eles podem estar errados”.
            Nos ensinam cada vez mais que o poder econômico, o poder de compra (que, em síntese, significa qual é a TV que tenho, quantos computadores existem na minha casa, qual carro eu dirijo e a altura da música que ele toca) é cada vez mais importante do que o que somos (o que eu assisto na TV, o que pesquiso e escrevo no computador, de onde e para onde vou com meu carro, que música eu escuto). Mais ainda, este “o que somos” ser entendido coletivamente, societariamente, a partir e na direção das relações sociais.
            Mais ainda... enquanto neste “não saber quem somos” não buscarmos o “que mundo queremos”, o nosso futuro e nosso legado será a derrota da bradação de Rosa: a barbárie!
O Subcomandante Marcos prefaciou este dia do Universal Circo Crítico... Ele o termina também (já utilizei este texto nos tempos do ArcaMundo).
"Em abril de 1994, o São Francisco Chronicle referiu-se ao subcomandante Marcos, voz dos zapatistas revolucionários em Chiapas, México, dizendo que tinha trabalhado num restaurante de São Francisco, mas que havia sido despedido por ser gay. A imprensa governamental do México lançou-se no ar: Um maricas revolucionário! Os Zapatistas responderam com o seguinte comunicado: Marcos é um gay em São Francisco, um negro na África do Sul, um asiático na Europa, m chicano em San Isidro, um anarquista na Espanha, um palestino em Israel, um índio maia nas ruas de San Cristóbal, um judeu na Alemanha, um insurrecto no Ministério da Defesa, um comunista no pé da Guerra Fria, um artista sem galeria nem portfólios, um pacifista na Bósnia, uma dona de casa só num sábado à noite em qualquer bairro do México, um repórter escrevendo histórias que enchem as páginas negras, uma mulher solteira às dez da noite, um camponês sem terra, um trabalhador desempregado, um estudante fracassado, um dissidente no meio da economia de livre-mercado, um escritor sem livros nem leitores, e, sobretudo, um zapatista nas montanhas do sudeste do México. Assim é Marcos, tão humano como qualquer outro neste mundo. Marcos é todas as pessoas exploradas, marginalizadas, as minorias oprimidas, resistindo e dizendo ‘Basta!’ – El Despertar Mexicano”
            Ainda dá tempo...!

Venham Todos!
            Venham Todas!
            Vida Longa!
            Marcelo “Russo” Ferreira

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Conversas aó pe de ouvido de Thiago...

“Conhecemos um homem pelo seu riso.
Se na primeira vez
que o encontramos ele ri
de maneira agradável,
o íntimo é excelente”
(Feódor Dostoiévski)

Caríssimo Thiago, cujo nome vem de Tiago, do hebreu Ya'akov (יעקב), seja bem-vindo! Ou, para respeitar sua origem nacional: “Benvenuti!” (imagina o tom italiano, tá? Bem alto, com o “nu” de Benvenuti mais estendido, tipo paroxítona paulistana, aliás, cidade bastante italiana...).
BENVENUTI! É o que o Universal Circo Crítico lhe deseja. Aliás, é a primeira vez que este espaço se manifesta para um nascedouro tão distante, do outro lado do oceano... Estamos ficando internacionais, hein?
E que nome fantástico seus pais escolheram (e nós conhecemos só sua “mainha”, Nívea... como será o sotaque italiano de “mainha”?): Thiago, que em francês significa “dádiva de Deus” e, portanto já nasce com amor incondicional, com uma marca de uma postura que seguirá sua vida inteira, o de fazer o bem pelas pessoas. Mais do que isso, seu nome, por sua origem hebraica, lhe dá o significado de Vencedor, aquele que suplantou... Suplantar, vencer com amor, isso sim é que é uma grande escolha de valores.
Costumamos dar e tirar pequenas lições aos nossos pequeninos lutadores do povo que sempre passam por aqui, em seus dias. E, claro, o seu nome já nos dá a primeira grande lição: Vença sempre, Tiago, mas nunca vença sem ter amor no coração. Tenho certeza, o amor numa vitória a transforma numa vitória de todos e, neste mundo tão “estranho”, a vitória de todos sempre será a melhor vitória.
Chegaste em 30 de outubro (aqui, em terras brasileiras, véspera da eleição que colocou a primeira mulher na presidência do país), uma data curiosa se olharmos para seu país, a Itália.
Dois Papas foram eleitos em um 30 de outubro: Papa João VI (em 701) e Papa Marino II (942). Fato que lembra o que o Universal Circo Crítico andou pensando sobre religião, nas últimas semanas, e como ela orienta (ou seria “tenta interferir”) na condução do Estado e de seu povo. Sabemos (talvez tu, ainda não) o quanto a Santa Igreja e suas ramificações manifestatórias (outras manifestações cristãs) andam meio confusas na relação entre o que defende (seus princípios) e o que faz (seus atos)... Mas, falamos de um país que tem em seu centro cristão a Igreja Católica Apostólica Romana. Melhor não dar um fora por aqui, né? Não nas celebrações de sua chegada.
Pois bem, outras coisas/fatos interessantíssimos (e suas lições) nos remetem a um 30 de outubro por aí.
Foi em 1905 que talvez tenhas sido escrito em alguma pedra, algum papel em alguma prisão russa aquela velha máxima de Lênin: “um passo atrás para dois passos à frente”. Neste ano, em função da derrota eminente da Rússia na Guerra contra o Japão, o tzar Nicolau II lançou uma obra política que, em tempos atuais, seria semelhante ao Projeto Neoliberal de fins dos anos 90. Era o “Manifesto de Outubro” que, em síntese, levaria ao fim do absolutismo do Tzar, construção de reformas constitucionais, eleições gerais ao parlamento e uma Constituição para a Rússia. Os partidos burgueses aplaudiram e os Operários não confiaram. Foram presos, reprimidos (no conhecido “Domingo Sangrento”) e as promessas não foram cumpridas. Passados 12 anos, testemunhamos a Revolução Russa de 1917... E, aí, caro Thiago, nossa primeira lição: não importa quanto tempo, mas, se caminhamos com o povo, com os trabalhadores, com os lutadores do povo, dois passos a frente são dois passos à frente.
Já em 1938 (tempo longínquo, mas já dando sinais dos avanços tecnológicos), o mundo e os EUA conheceram a ficção... e a primeira semente da “manipulação jornalística” era plantada, sem ninguém perceber: A obra “A Guerra dos Mundos” do escritor H.G.Wells foi adaptada ao rádio e dirigida por uma cara chamado Orson Welles (um cara fantástico) e transmitida ao vivo em Nova York. Causou o maior pânico na cidade, pois os ouvintes acharam que a Terra estava sendo invadida por um monte de homenzinhos verdes em naves espaciais. Imagina só: Bombeiros, Polícia, Hospitais, Jornais em alerta, alarmados mesmo... Em 1938, pequeno Thiago, o rádio era influente pra dedéu, visse? Ah! E a transmissão foi às 20 horas. Imagina o desespero... parece ficção.
Mas, daí vem mais uma lição. Como eu disse, foi uma sementinha que foi crescendo, crescendo e, já há algum tempo, toooooda imprensa, a mídia e suas expressões formam a opinião pública e do público. E mais, formam a opinião que ela quer que tenhamos. Aqui no Brasil, nos últimos tempos, inclusive a apelidamos de “Partido da Imprensa Golpista”. Mas a lição é a mais importante: a verdade é revolucionária, pequeno Thiago. E ela não será televisionada (aliás, vale muito a pena seus pais assistirem este documentário: “A revolução não será televisionada”...).
Foram muitos e importantes os eventos históricos nesta data, assim como algumas pessoas importantes nasceram ou partiram em um 30 de outubro. E veja como o Mundo é pequeno, hein Thiago... Il mondo è Piccolo, ah!
Um italiano, arquiteto, nasceu em 1713 aí na Itália, em Bolonha, para vir ao Brasil, no Pará (onde este brincante reside), contratado como desenhista por João V (Rei de Portugal, nós ainda éramos Colónia), na Expedição Demarcadora dos Territórios Portugueses no Norte do Brasil... Seu nome: Antônio José Landi. Tais vendo só? Um italiano no Brasil, no Pará... Tu aí, eu aqui... Bom, diz a lenda que foi Landi quem desenhou pela primeira vez a flora e a fauna amazônica e, também, o plano urbanístico de Belém, capital do Estado. Espero que um dia possas conhecer essa bela cidade cabana. E que tu, pequeno Thiago, possa construir, sem deixar de considerar a lição de seu nome, já dita acima.
Ah! Claro, Nasceu neste dia também o autor de nossa epígrafe: Feódor (ou Fiodor) Dostoiévski, em Moscou, no ano de 1821. Com certeza um inspirador dos movimentos revolucionários, tanto de suas lições (1905), quanto de suas conquistas (1917).
Outros tantos, como disse, nasceram e partiram em 30 de outubro. Maradona nasceu em 1960... Hã... deixa p’ra lá. Essa rixa futebolística (boba, por sinal) entre Brasil e Argentina não me ajudaria.
Porem, meu pequeno Thiago, temos exemplos difíceis nesta data na história da humanidade: em 30 de outubro de 1969 (eu tinha pouco mais de um mês) o General Emílio Garrastazu Médici tornava-se presidente do Brasil, no auge da Ditadura Militar e foi um dos mentores do famigerado AI-5, o mais duro instrumento do Estado Ditador Brasileiro contra seu povo. E aqui, quero deixar mais uma importante lição: o povo deve conduzir sua soberania!
Essas lições, caro Thiago, são apenas para serem tomadas, refletidas, assimiladas e até descartadas, se for o caso. São lições por isso mesmo... nos ensinam ou não acreditamos nelas.
Mas, o Universal Circo Crítico celebra profundamente a sua chegada e nossas lições de muitos 30 de outubro se somam agora a esta celebração: Dia de Thiago!
Contraditoriamente, celebramos sua chegada com a lembrança de uma despedida: Evandro do Bandolim. Por isso o vídeo desta nossa celebração. Um chorinho para escutar e lembrarmos que, certamente, anunciaste sua chegada ao mundo com um choro... possivelmente forte, possivelmente cheio de amor, como é o chorinho brasileiro.
Foi em 1994, tão poucos em nosso país o sabem, que partiu Evandro do Bandolim, músico desde os 13 anos de idade e que conviveu só com gente de primeira linha: Cartola, Sivuca, Nelson Gonçalves, Moreira da Silva, Jamelão, Inezita Barroso, Emilinha Borba, Elza Soares... Muita música p’ra ti, pequeno Thiago.
Que o bandolim, instrumento tão familiar em seu país, como no nosso, possa dar alegria e melodia em sua vida!
 
Vida Longa ao nosso Thiago!
Venham Todos!
Venham Todas!
Vida Longa!

Marcelo “Russo” Ferreira

 P.S.: uma boa narração escrita da saga de Welles e a Guerra dos Mundos, em 1938, pode ser lida em http://www.pucrs.br/famecos/vozesrad/guerradosmundos/index2.htm.

sábado, 30 de outubro de 2010

Hipocrisia Final: a nossa própria hipocrisia!


 É verdade, eu vivo em tempos negros.

Palavra inocente é tolice. Uma testa sem rugas

Indica insensibilidade. Aquele que ri

Apenas não recebeu ainda

A terrível notícia

(Aos que vão nascer – Bertolt Brecht)

 

            Corro o risco de perder alguns leitores costumazes deste espaço... Mas, como diria Lenin, “a ousadia é o que dá sentido à vida” e o Universal Circo Crítico se permite suas próprias ousadias.
            Optamos por avançar e contribuir para o debate de qualidade dentro do mais baixo exemplo de discussão democrática que este país já viveu desde os anos da ditadura brasileira (e que os livros de história ainda não se deram o dever de melhor contar a história e, assim, nossos jovens não a entendem) e do que foi as eleições de 1989, principalmente às vésperas do último debate antes do dia de eleições no segundo turno, entre Collor e Lula.
            E, particularmente (e isso soa estranho) é quase que um discurso uníssono esta avaliação dos período eleitoral que vivemos: não apenas por vício plebiscitário, mas por temas que não dizem respeito ao Estado Brasileiro (laico, com diversidade religiosa), porque não são tratados pelo executivo.
            Consequencia primária disso? Num país que tenta aprender a ser democrático (burguês, capitalista, mas com o perfil democrático que lhe cabe), menos sabemos sobre a noção de Estado (soberano e do/com/para seu povo) e, o mais importante, sobre o Projeto que o seu povo (Brasil) quer para ele próprio.
            No primeiro caso, o vício plebiscitário se transformou na própria armadilha. Desde 2009 era notório e evidente que se faria desta eleição um plebiscito. Era FHC X Era Lula e, apesar de as diferenças substanciais, de projeto histórico de sociedade não serem tá diferentes (diferem na forma de construir o “capitalismo brasileiro”), era óbvio que a comparação seria explicitamente favorável aos 8 anos de governo Lula. E a elite brasileira, a direita política (ainda mais forte e numerosa que a esquerda deste país) e a Imprensa Golpista (PIG) não engolem essa realidade.
Daí, a direita política e o PIG pensaram: “Ah! É plebiscito que eles querem? Então lá vai!!!” e colocaram o debate (que se tornou plebiscitário) do aborto nas eleições. E, cá p’ra nós... colocaram este debate numa tábua raza im-pres-si-o-nan-te!
No segundo caso, os temas em si, que demonstrou a indisposição geral (elite, direita, imprensa) de não construir um verdadeiro processo educativo neste período. Permitir que temas que não competem ao executivo brasileiro (para o qual estamos votando) e, principalmente, sobre a moral das pessoas, entrasse no debate... Neste caso, são inúmeros os artigos que foram publicados a este respeito, por pensadores, políticos e jornalistas de gabarito p’ra lá de respeitável, nestas últimas semanas e não vou me furtar a entrar nesta seara. O material, de qualidade, é farto.
Mas, às vésperas deste segundo turno das eleições, me permito uma última “reflex/ao eleitoral” e, minha humilde sugestão, que ela possa fazer de nossa ida às urnas amanhã, 31 de outubro, um ato não apenas mecânico, mas verdeiramente reflexivo.
Hipocrisia Final – aceitarmos a hipocrisia que assola nossos valores... porque nos servem...
Sabemos o quanto a Igreja Católica e demais manifestações eclesiais cristãs manifestam-se em relação ao aborto. Isso não precisa ser “batido” em nossas cabeças até entrar como se querendo colocar uma camada de concreto em cima para firmar. Mas essa mesma Igreja acoberta seus padres pedófilos e orienta os cristãos/cristãs (principalmente as vítimas destes abusos sexuais) a rezarem, rezarem muito pedindo perdão (são vítimas pedindo perdão???) pelo que aconteceu e nunca revelarem nada a ninguém...
Sabemos que a Imprensa deste país tem um projeto de país, de nação e utiliza de seu “quarto poder” para construir o senso comum sobre estes valores. Aprendemos com a mídia (seus jornais, suas novelas, seus programas de auditório) todos os valores que eles defendem: que ser classe média é bom e é o único exemplo de pessoas honestas que temos nas classes sociais (pobre sempre é bandido); que ter dinheiro, casa, carro significa que és esclarecido, que sabe de tudo; que quem não tem estudo não pode ser alguém a ser respeitado (desde que não queira chegar muito longe no status quo social e econômico.
Sabemos que político mente, sabemos que político é pessoa poderosa, sabemos que existem políticos descentes mas que são numericamente inferiores aos poderosos políticos deste país. Sabemos até que os políticos (principalmente os que atuam no legislativo brasileiro, municipais, estaduais e federal) sempre se elegem por interesses, em sua (ainda) grande maioria, privados... e interesses privados não são interesses para a soberania de um povo.
Sabemos, também, que educação, saúde, transporte, trabalho (emprego?), moradia são necessidades constantes do povo brasileiro, sobretudo do povo mais pobre. Mas, ainda queremos a educação mais elementar, a saúde mais lenta e desumana, o transporte “de carga”, o sub-emprego e a moradia simples para essa população.
Mas, sobre isso (temas religiosos, imprensa e mídia, políticos, política pública) sempre nos colocamos como individualistas, como “homens coisas” (lá vem Drummond e Marx de novo) que se apegam às suas particularidades para pensar a nação, que se apegam ao seus valores (muitas vezes cegos e corrompidos) em detrimento da todo um povo.
Enquanto permitirmos que temas “vazios” ao Estado brasileiro ocupem o debate em torno da proposta de nação, não saberemos opinar e decidir sobre esta mesma nação. Até saberemos, mas o faremos com um olhar enviesado.

(... pensando...)

            Que nossas posições sobre aborto, imagens cristãs em repartições públicas (oficialmente, o que é diferente das manifestações particulares, a imagem de um/a Santo/a em sua mesa de trabalho), casamento CIVIL entre pessoas do mesmo sexo, não interfiram em nosso voto dia 31 de outubro.
Que os interesses privados (empresas, agroindústria, agronogócio, multinacionais e o escambal), da Grande Mídia e suas mentiras (e as mentiras para manter as mentiras) não interfiram em nosso voto em 31 de outubro.
Que a falácia e as promessas vazias de grandes políticos e seus “capachos” não interfiram não apenas em nosso voto, mas em nosso direito sigiloso de votar em 31 de outubro.
Que aquilo que acreditamos ser direito nosso possa ser entendido como direito de todos (o que é diferente de “direito de cada um”) e dever do Estado.

Venham Todos!
Venham Todas!

Vida Longa!

Marcelo “Russo” Ferreira

PS.1: Derrotar Serra nas urnas é manter a esperança pela continuidade dos tempos de luta que virão...