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quarta-feira, 2 de maio de 2012

Discurso de Formatura... Turma Márcia Cristina Greco Ohuschi


       Começo, como sempre, com minhas saudações. Aos amigos da mesa, Adriano, Kelly e Márcia, honrada com o nome da Turma, “Turma Márcia Cristica Greco Ohuschi”. Uma boa noite também os amigos e familiares aqui presentes.
            Prezados e prezadas Professores e Professoras de Letras, aqui formando-se, neste 27 de abril de 2012.
            Minha mais profunda, sincera, comovida e honrada saudação.
            Eu particularmente fiquei imaginando o que vocês disseram a seus pais, seus e suas companheiros e companheiras, familiares e amigos ao dizer-lhes que convidaram um professor de outra Faculdade para ser paraninfo da Turma de vocês. Mais ainda, um professor de Educação Física. Talvez estranhamentos que, no final das contas, são comuns quando falamos desta área do conhecimento.
            Mas, talvez, esse também seja um grande desafio de nossa Universidade Brasileira: extrapolar as barreiras disciplinares, que a modernidade cunhou em nomes diferentes, em áreas diferentes, vários, quase incontáveis. E se é possível celebrarmos com outras áreas, então, é necessário re-desenharmos e re-escrevermos a universidade para além de suas caixinhas de conhecimento. Celebrar, portanto, este momento com vocês é mais do que uma conquista e alegria particular. É mais uma prova de que o conhecimento é universal e interdisciplinar, inclusive em sua celebração.
            E agora, cá estou, falando para vocês, Turma 2008 da Faculdade de Letras. Claro, pensei nas letras e naquilo que elas formam, enquanto ia organizando esta retribuição à honra recebida: ser seu paraninfo.
Homenagear a Turma de Letras é desafiante. Assim como foi desafiante minha decisão em aceitar o convite da nossa querida Professora Kelly: ministrar uma disciplina na Faculdade de Letras. Talvez por isso, pelo desafio, pensei construir um “passeio sobre as palavras”. Aquelas que me levam a datas, a fatos históricos, a pessoas (preferencialmente os lutadores do povo) e suas palavras, suas idéias, suas lições.
            Portanto, ao pensar nas palavras, pensei nas idéias que as palavras formam e lembrei-me de nossos encontros, de nossos debates, de nossas reflexões e daquilo que construímos em sala. Lembrei-me de “V” e, em particular, quando seu protagonista nos alertava: “um homem pode morrer, lutar, falhar, até mesmo ser esquecido, mas sua idéia pode modificar o mundo mesmo tendo passado 400 anos”. Eram idéias, assim como nós construímos inúmeras, incontáveis idéias em sala de aula e, tenho certeza, vocês assim o fizeram não apenas comigo, mas como todos e todas docentes que passaram por vocês ao longe de sua formação, nesta Universidade. E, como a construir meu último papel pedagógico junto a vocês, na condição de formandos e formandas em Letras, deixo minha primeira-última lição (e lições servem para serem apreendidas, compreendidas, revisitadas e ressignificadas. Lições servem para não serem esquecidas): idéias nunca morrem. Por isso elas são necessárias... Nunca as abandonem.
            Aliás, mais do que nunca abandonarem suas idéias, reconstruí-las constantemente. E reconstruímos idéias quando as colocamos em nossa prática social. E só colocamos nossas idéias na prática social quando elas estão a serviço de um coletivo. E aqui, minha humilde sugestão: que este coletivo seja o Povo Brasileiro. E basta olharem para os lados, para a história da maioria de vocês, para sua própria história para saberem o que quero chamar de Povo Brasileiro.
            As palavras e suas idéias me levaram a uma poetiza cubana, Dulce Maria Loynas, que a 15 anos já não escreve mais, pois já não está conosco. Mas deixou uma bela obra. Não, Dulce Maria Loynas não escrevia sobre a Revolução Cubana, mas isso não fez de suas palavras menos belas. É em “yo te fui desnudando” (fui te despindo) que revelo nessa escritora mais de minhas idéias-palavras: Fui despindo você de você mesmo, / de seus ‘vocês’ superpostos que a vida / te cingiu ... / / Te arranquei a casca - inteira e dura – / que parecia fruta, que tinha / a forma da fruta. / / E diante do vago assombro de seus olhos / surgiu você com olhos ainda velados / de sombras e assombros ... / / Surgiu você de você mesmo, da mesma / sombra fecunda - intacto e desgarrado / em alma viva ...” (Yo te fui desnudando de ti mismo, / de los "tús" superpuestos que la vida / te había ceñido.../ / Te arranqué la corteza-entera y dura- / que se creía fruta, que tênia / la forma de la fruta. / / Y ante el asombro vago de tus ojos / surgiste con tus ojos aun velados / de tinieblas y asombros... / / Surgiste de ti mismo; de tu misma / sombra fecunda-intacto y desgarrado / en alma viva...”) - (De: Versos, 1920-1938).
            A Universidade, à bem da verdade, ainda não se despiu. Ainda não tirou sua casca burguesa, coisificada, mercadológica, distante e descompromissada das relações humanas e sociais, distante de seu compromisso com a humanidade.
            Quantas e quantas vezes recorrerei às palavras do bom e velho Comandante, Erneste Che Guevara, em discurso na Universidade de Havana (nos primeiros tempos da Revolução Cubana), convocando seus estudantes, professores e demais trabalhadores a pintarem a Universidade de camponesa, de negra, de trabalhadora, e eu mesmo ousava acrescentar, de mulher, de quilombola, de indígena, de ribeirinha, de operária... Mas, para tanto, precisamos despir a Universidade. Despindo-a, nos despimos de nossos “eu’s” e nos vestimos de nós. Despindo-nos, iremos despir a Universidade.
            Ainda assim, é imprescindível destacar meu testemunho, ainda que humilde e pequeno, no surgir vocês de vocês mesmos. E caminhar na Universidade, Pública e no Norte do País é caminhar na busca de vocês. Logro que tenham feito esse caminho, entre choros e alegrias, entre descansos e noites não dormidas, entre estudos e celebrações.
            Ouso dizer (no princípio Leninista de “a ousadia é o que nos dá sentido à vida”) que ainda são poucos, nesta Universidade – e falo sobretudo de seus docentes – que a querem pública, que a querem popular, que a querem despida. Mais ainda, são poucos aqueles que lutam por uma Universidade verdadeiramente Livre (com “L” maiúsculo), dentro de uma Pátria verdadeiramente Livre e com o povo soberano. E lutar por esta Universidade é também enfrentar os ditames do tal Mercado de Trabalho, expressão atual da exploração de trabalhadores e trabalhadoras pelo julgo do capital (que para existir, necessariamente produz miséria).
            A bela passagem de Dulce Maria Loynas, ainda que bem possivelmente ter feito este poema pensando no amor, nas pessoas que se amam, e não nestas viagens que faço, ainda assim nos permite mais uma grande, hercúlea lição: precisamos despir nossa Universidade e revesti-la. Precisamos tirar-lhe a casca burguesa e fazê-la redescobrir-se de Povo, de Gente. Precisamos, inclusive, fazer isso para que possamos tirar a casca do Povo, no sentido de fazê-los encontrar, no redescobrir-se, sua soberania. E essa tarefa não se cumpre sozinho.
            Precisamos fazer de nossas letras que compõem palavras que expressam idéias (que não morrem) nossos instrumentos de luta. Que não tenhamos medo de, ao ensinarmos crianças, jovens, adultos e idosos as artimanhas das letras e das palavras, ensinarmos seu real poder: transformar, de verdade, o mundo. E já sabemos, só transformamos aquilo que conhecemos.
            Ninguém consegue transformar um pedaço de madeira, metal, aço, pano, pedra em algo novo se não conhece, verdadeiramente a madeira, o metal, o aço, o pano e a pedra. E não é apenas a ciência aquela capaz disso. A relação do homem com a natureza e o conhecimento produzido por essa relação é que possuem essa capacidade. Assim é como transformamos o mundo e, assim, temos uma lição embutida na lição anterior (de despir a Universidade): ensinem as idéias e que sejam idéias de transformar o mundo.
            Mais ainda, precisamos transformar nossas palavras, conhecendo as palavras que não sabemos. As palavras do campo, as palavras do quilombo, as palavras da favela, as palavras das comunidades indígenas, das andantes comunidades ciganas. E, se buscarmos saber as palavras que não sabemos, quilombolas, camponesas, indígenas e ciganas, ah!, aí sim, talvez transformemos nossas palavras e nos transformemos com elas.
            E se precisarmos de inspiração para tal, que lembremos sempre deste dia, no meio de tantos dias importantes na vida de vocês: 27 de abril.
            Hoje, 27 de abril, é o Dia da Liberdade na África do Sul, país cuja história conhecemos muito razoavelmente bem. Nem com os olhos do mundo voltados, em 2010, para este país encravado no sul do continente africano– durante a realização da Copa do Mundo de Futebol – ele, o mundo (e, portanto, nós) o conheceu de verdade. Sabemos algo sobre o Apartheid, sabemos tanto quanto de Nelson Mandela, quando se tornou o primeiro presidente negro daquele país em 1994. Mal sabemos de seus partidos políticos, de sua cultura, de sua música, bem menos do que ainda resiste ao direito de seu povo natal, o sul-africano, como é o caso do seguimento conhecido como “africaners”, os brancos que não aceitam o fim do Apartheid. E o Dia da Liberdade da África do Sul continua sendo, no final das contas, Dia em que Lutas Continuam.
            Ao tomar posse, naquele ano de 1994, o então presidente Nelson Mandela, em seu discurso, fez uma fala que também ficou conhecida no filme “Treinador Carter” (de 2005), dita por um de suas personagens (Tino Cruz, representado pelo jovem Rick Gonzalez), com, claro, algumas alterações hollywoodianas. Dizia Mandela: “Nosso grande medo não é o de que sejamos incapazes. Nosso maior medo é que sejamos poderosos além da medida. É nossa luz, não nossa escuridão, que mais nos amedronta. Nos perguntamos: "Quem sou eu para ser brilhante, atraente, talentoso e incrível?" Na verdade, quem é você para não ser tudo isso?...Bancar o pequeno não ajuda o mundo. Não há nada de brilhante em encolher-se para que as outras pessoas não se sintam inseguras em torno de você. E à medida que deixamos nossa própria luz brilhar, inconscientemente damos às outras pessoas permissão para fazer o mesmo.” (discurso de Posse de Nelson Mandela – 1994)... quando nos libertamos de nossos medos, nossa presença automaticamente liberta os outros.
            Essa lição nunca é fácil. Até compreendê-la e assumi-la parece-nos tarefa grandiosa demais. Claro, necessitamos cumpri-la coletivamente. Tarefa histórica nenhuma se cumpre sozinho ou sozinha. Tarefas históricas devem ser cumpridas por todos e todas. E Mandela, naquele ano de 1994, também cumpria com a tarefa de seu povo, de ser sempre mais, dando lições de humanidade que seus antigos colonizadores nunca entenderam, nunca entenderiam e nunca entenderão, porque ainda dividem e mundo em Hemisfério Norte e Hemisfério Sul. Mandela cumpria com o legado de outro grande Lutador do Povo Sul-africano, morto nas mãos do Estado. Falo de Steve Biko, que, como processo de sua luta, nos deixou uma lição verdadeira: "Racismo e capitalismo são faces da mesma moeda". Se lutamos contra toda e qualquer forma de preconceito (e, inclusive, se lutamos contra nossos próprios preconceitos), lutamos contra este Sistema que o produz. E se lutamos com essa mesma idéia (construir o antagônico do capitalismo), somos companheiros, somos companheiras.
            Como disse, dirigir-me a vocês, seria um desafio. E realmente o foi. Sei que a relação que fiz, meio que lúdica, de construir o caminho das letras às palavras e dessas às idéias, talvez se distancie um pouco do contexto e dos referenciais de um Curso de Formação Superior em Letras. Mas, nada como nossas viagens – que fortalecem nossas ousadias – para construir novas aproximações.
Também de maneira ousada, gostaria de trazer aqui uma passagem de meus tempos em que o violão ocupava com mais freqüência o meu colo e desta relação saiam pequenas obras, pequenas canções que sempre fizeram também companhia em minha estrada de aprendiz de Lutador do Povo. Pelo idos de 1998, escrevi uma canção chamada “O Menino e o Palhaço”, da qual extraio a seguinte passagem: “Ainda vou fingir minha derrota / minha esperança será também mentira / e quando menos esperarem / em seu vultuoso poder e vaidade / os pegarei por trás como um fantasma / e me porei a rir, a cantar e a chorar sem tristeza / o palhaço ri... / o louco ri... / quem chorava ri...” (a letra está publicada em http://arcamundo.blogspot.com.br/2007/09/sndrome-do-fantstico-o-menino-e-o.html)
            À guisa da conclusão, optei por escolher palavras e que expressam idéias. E as presenteio no meio das lições que aqui ousei.
Amor!
Porque aquele que sabe realmente o que é amar é, verdadeiramente, um Lutador do Povo. Que, enquanto nos desnudamos, descubramos o que é verdadeiramente amar. Não o amor egoísta, não o amor da posse, não o amor fetichizado. Esses são escritos com letra minúscula. Falo do Amor verdadeiro, aquele que nós descobrimos por nossos amigos, por nossas amigas, por nosso povo e por povos do mundo que lutam. O Amor revolucionário como sentido e como ato. E que o Amor seja re-escrito com as cores do povo e que vocês ensinem sempre o verdadeiro valor desta palavra... desta idéia.
Lutar!
Como expressão de felicidade, de alegria em meio aos desafios. Porque um povo que descobre que pode lutar por algo e para todos é um povo feliz. Como diria Anton Semiónevitch Makarenko, em sua experiência com as crianças e jovens da Colônia Gork, no início do século passado e tão bem detalhado em Poema Pedagógico: “Eles vão a luta! Que alegria é saber que se pode lutar!”. E que Lutar seja re-escrito com as cores do povo e que vocês ensinem sempre o verdadeiro valor desta palavra... desta idéia.
Celebrar!
Quer incorporemos a Celebração em nossas idéias, e que nossas celebrações sejam a representação fiel, verdadeira e radical da manifestação popular, aquela com a qual a burguesia não entende, porque celebrar a luta de um povo, a luta contra o poder, a luta dos lutadores do povo. Que Celebrar seja re-escrito com as cores do povo e que vocês ensinem sempre o verdadeiro valor desta palavra... desta idéia.
Liberdade!
Palavra cada vez mais estranha em nossos tempos e cada vez mais necessária. Pois Liberdade não se ganha, se conquista. Liberdade é, sempre foi e sempre será fruto de nossos valores e de nossas posturas. Liberdade nunca será individual, Liberdade sempre é de todos. E que a Liberdade seja re-escrita com as cores do povo e que vocês ensinem sempre o verdadeiro valor desta palavra... desta idéia.
Revolução!
Como meu convite final, mas que sempre o faço. Convido-os e convido-as a serem revolucionários. Transformar o extraordinário em cotidiano. Que seja, ela própria, a idéia! E que seja a própria síntese de Lutarmos por Amor e Celebrarmos a Liberdade!
Vida Longa a este 27 de abril!
Vida Longa à Turma de Letras 2008!
Vida Longa à Turma Márcia Cristina Greco Ohuschi!
Vida Longa!
Marcelo “Russo” Ferreira

12 comentários:

  1. Mika Tsuruta02 maio, 2012

    Muito obrigada por ter aceitado nosso convite, prof. Marcelo "Russo".

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  2. Discurso arretado e ousado, te felicito meu irmão!!!

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  3. Olá professor Marcelo Russo, seu discurso foi espetacular. Estamos gratos por tê-lo durante seis meses em momentos de muitos aprendizados que irão somar experiencias importantes para nossas carreiras. Até breve!!! e como vc mesmo diz: Vida Longa!

    Vanessa Gomes

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  4. heheheh!!! Qdo o "cabra" é bom,mas bom mesmo...ele é amado em todas as áreas...Parabéns!!!
    Telma

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  5. Salve, Salve, Mika.
    Como é que eu não iria aceitar um convite maneiro como esse? Foi uma grande alegria para nosso Picadeiro e as nossas palavras...
    Vida Longa!
    Abraços
    Há braços!

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  6. Camarada Máury.
    É uma grande honra de nossa pequena Lona e nosso Picadeiro.
    Aliás, acabamos de visitar o starik-mauri. Bacana mesmo...
    Vida Longa!
    Abraço
    Há braços!

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  7. Minha querida Vanessa.
    Espero que parte deste "até breve" seja você ocupando espaços nesta Universidade.
    E a recíproca pelos seis meses de convivência e cosntrução é, claro, verdadeiríssima.
    Abreijos
    Há braços!

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  8. É, Telminha...
    Cabra inxirido é assim mesmo. Mas, realmente, a surpresa por esse convite da Turma de Letras foi espetacular...
    E todo nosso Circo ficou honrado.
    Abreijos
    Há braços!

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  9. Francisca Figueiredo12 junho, 2012

    Professor Marcelo, que ingrata que eu sou...agora é que vim agradecer a sua ótima estada conosco. Pense aí em um tempo bom que deixou saudades!!!! Professores como você é que me faz ter certeza que eu estive de fato em uma universidade.
    Um beijo pra você do tamanho do discurso. rssssss

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  10. Francisca Figueiredo12 junho, 2012

    Professor Marcelo, que ingrata que eu sou...agora é que vim agradecer a sua ótima estada conosco. Pense aí em um tempo bom que deixou saudades!!!! Professores como você é que me faz ter certeza que eu estive de fato em uma universidade.
    Um beijo pra você do tamanho do discurso. rssssss

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  11. Marcelo, seu discurso foi inesquecível. Mais uma vez, parabéns!

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  12. salve,Salve, querida Márcia... Que bacana ver você por aqui... Seja sempre bem-vinda ao nosso Picadeiro e nossa Lona de Circo Furada.
    E Vida a Turma Márcia Cristina Greco Ohuschi!
    Abreijos
    Há braços!

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O Universal Circo Crítico abre seu picadeiro e agradece tê-lo/a em nosso público.
Espero que aprecie o espetáculo, livre, popular, revolucionário, brincante...! E grato fico pelo seu comentário...
Ah! Não se esqueça de assinar, ok?
Vida Longa!
Marcelo "Russo" Ferreira