“É verdade, eu vivo em tempos negros.
Palavra inocente é tolice. Uma testa sem rugas
Indica insensibilidade. Aquele que ri
Apenas não recebeu ainda
A terrível notícia”
(Aos que vão nascer – Bertolt Brecht)
Corro o risco de perder alguns leitores costumazes deste espaço... Mas, como diria Lenin, “a ousadia é o que dá sentido à vida” e o Universal Circo Crítico se permite suas próprias ousadias.
Optamos por avançar e contribuir para o debate de qualidade dentro do mais baixo exemplo de discussão democrática que este país já viveu desde os anos da ditadura brasileira (e que os livros de história ainda não se deram o dever de melhor contar a história e, assim, nossos jovens não a entendem) e do que foi as eleições de 1989, principalmente às vésperas do último debate antes do dia de eleições no segundo turno, entre Collor e Lula.
E, particularmente (e isso soa estranho) é quase que um discurso uníssono esta avaliação dos período eleitoral que vivemos: não apenas por vício plebiscitário, mas por temas que não dizem respeito ao Estado Brasileiro (laico, com diversidade religiosa), porque não são tratados pelo executivo.
Consequencia primária disso? Num país que tenta aprender a ser democrático (burguês, capitalista, mas com o perfil democrático que lhe cabe), menos sabemos sobre a noção de Estado (soberano e do/com/para seu povo) e, o mais importante, sobre o Projeto que o seu povo (Brasil) quer para ele próprio.
No primeiro caso, o vício plebiscitário se transformou na própria armadilha. Desde 2009 era notório e evidente que se faria desta eleição um plebiscito. Era FHC X Era Lula e, apesar de as diferenças substanciais, de projeto histórico de sociedade não serem tá diferentes (diferem na forma de construir o “capitalismo brasileiro”), era óbvio que a comparação seria explicitamente favorável aos 8 anos de governo Lula. E a elite brasileira, a direita política (ainda mais forte e numerosa que a esquerda deste país) e a Imprensa Golpista (PIG) não engolem essa realidade.
Daí, a direita política e o PIG pensaram: “Ah! É plebiscito que eles querem? Então lá vai!!!” e colocaram o debate (que se tornou plebiscitário) do aborto nas eleições. E, cá p’ra nós... colocaram este debate numa tábua raza im-pres-si-o-nan-te!
No segundo caso, os temas em si, que demonstrou a indisposição geral (elite, direita, imprensa) de não construir um verdadeiro processo educativo neste período. Permitir que temas que não competem ao executivo brasileiro (para o qual estamos votando) e, principalmente, sobre a moral das pessoas, entrasse no debate... Neste caso, são inúmeros os artigos que foram publicados a este respeito, por pensadores, políticos e jornalistas de gabarito p’ra lá de respeitável, nestas últimas semanas e não vou me furtar a entrar nesta seara. O material, de qualidade, é farto.
Mas, às vésperas deste segundo turno das eleições, me permito uma última “reflex/ao eleitoral” e, minha humilde sugestão, que ela possa fazer de nossa ida às urnas amanhã, 31 de outubro, um ato não apenas mecânico, mas verdeiramente reflexivo.
Hipocrisia Final – aceitarmos a hipocrisia que assola nossos valores... porque nos servem...
Sabemos o quanto a Igreja Católica e demais manifestações eclesiais cristãs manifestam-se em relação ao aborto. Isso não precisa ser “batido” em nossas cabeças até entrar como se querendo colocar uma camada de concreto em cima para firmar. Mas essa mesma Igreja acoberta seus padres pedófilos e orienta os cristãos/cristãs (principalmente as vítimas destes abusos sexuais) a rezarem, rezarem muito pedindo perdão (são vítimas pedindo perdão???) pelo que aconteceu e nunca revelarem nada a ninguém...
Sabemos que a Imprensa deste país tem um projeto de país, de nação e utiliza de seu “quarto poder” para construir o senso comum sobre estes valores. Aprendemos com a mídia (seus jornais, suas novelas, seus programas de auditório) todos os valores que eles defendem: que ser classe média é bom e é o único exemplo de pessoas honestas que temos nas classes sociais (pobre sempre é bandido); que ter dinheiro, casa, carro significa que és esclarecido, que sabe de tudo; que quem não tem estudo não pode ser alguém a ser respeitado (desde que não queira chegar muito longe no status quo social e econômico.
Sabemos que político mente, sabemos que político é pessoa poderosa, sabemos que existem políticos descentes mas que são numericamente inferiores aos poderosos políticos deste país. Sabemos até que os políticos (principalmente os que atuam no legislativo brasileiro, municipais, estaduais e federal) sempre se elegem por interesses, em sua (ainda) grande maioria, privados... e interesses privados não são interesses para a soberania de um povo.
Sabemos, também, que educação, saúde, transporte, trabalho (emprego?), moradia são necessidades constantes do povo brasileiro, sobretudo do povo mais pobre. Mas, ainda queremos a educação mais elementar, a saúde mais lenta e desumana, o transporte “de carga”, o sub-emprego e a moradia simples para essa população.
Mas, sobre isso (temas religiosos, imprensa e mídia, políticos, política pública) sempre nos colocamos como individualistas, como “homens coisas” (lá vem Drummond e Marx de novo) que se apegam às suas particularidades para pensar a nação, que se apegam ao seus valores (muitas vezes cegos e corrompidos) em detrimento da todo um povo.
Enquanto permitirmos que temas “vazios” ao Estado brasileiro ocupem o debate em torno da proposta de nação, não saberemos opinar e decidir sobre esta mesma nação. Até saberemos, mas o faremos com um olhar enviesado.
(... pensando...)
Que nossas posições sobre aborto, imagens cristãs em repartições públicas (oficialmente, o que é diferente das manifestações particulares, a imagem de um/a Santo/a em sua mesa de trabalho), casamento CIVIL entre pessoas do mesmo sexo, não interfiram em nosso voto dia 31 de outubro.
Que os interesses privados (empresas, agroindústria, agronogócio, multinacionais e o escambal), da Grande Mídia e suas mentiras (e as mentiras para manter as mentiras) não interfiram em nosso voto em 31 de outubro.
Que a falácia e as promessas vazias de grandes políticos e seus “capachos” não interfiram não apenas em nosso voto, mas em nosso direito sigiloso de votar em 31 de outubro.
Que aquilo que acreditamos ser direito nosso possa ser entendido como direito de todos (o que é diferente de “direito de cada um”) e dever do Estado.
Venham Todos!
Venham Todas!
Vida Longa!
Marcelo “Russo” Ferreira
PS.1: Derrotar Serra nas urnas é manter a esperança pela continuidade dos tempos de luta que virão...