RESPEITÁVEL PÚBLICO!

VENHAM TODOS! VENHAM TODAS!

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Discurso de Formatura... Turma Rita de Cássia Paiva...









“Papai, porque que vocês
não fazem com ele
o mesmo que fizemos com o Juca?”
“Quem é o Juca?”
“Juca era o dono da bola.”
“Que foi que vocês fizeram?”
“Tomamos a bola dele.”
(Mário Lago)



            Prezados hoje Professores de Língua Espanhola, oriundos da Faculdade de Letras da UFPA/Castanhal.
            Minhas saudações.

Hoje, minhas palavras não são presenciais. Isso, claro, não me incomoda. As circunstâncias da docência, da convivência acadêmica nos levam, em diferentes momentos de nossa vida, a estar presentes fisicamente ou não em momentos distintos. Neste caso, minha homenagem será apenas neste picadeiro de terra batida e protegidos pela nossa boa e velha lona furada.
Mas, mesmo estando em outra “esfera” (viagem?) deste momento, o certo é que passei algumas boas e significativas experiências com essa turma e, por compromisso, vontade, paixão e aprendizado docente, acadêmico... militante... revolucionário, não poderia de deixar minhas poucas, humildes e sinceras palavras.
Pero cuidado ... No quiero correr el riesgo de cometer sacrilegio lingüística, y por lo tanto mis palabras son en portugués, no español ... (Y este tramo es el traductor de google)
Ao participar da Aula da Saudade, poucos dias após concluímos nossas atividades de sala de aula, havia resgatado um pequeno poema (ainda que não tenha declamado) que, segundo registros familiares, fora censurado durante o Estado Novo mas que, como sempre na história, não havia se perdido totalmente. E, para minha honra particular e singular, esteve nas mãos e na memória de meu avô, Hiram de Lima Pereira.
Tratava-se do Poema de Mário Lago, “O Dono da Bola” que, abaixo (e numa tripla homenagem: a vocês, ao “Velho” – meu avô – e ao fantástico Mario Lago), reproduzo abaixo:

O DONO DA BOLA (Mario Lago)

Quando o Juca concordava, / A garotada tomava conta da rua / E armava o campo de futebol.
Juca era o dono da bola. / Juca era o dono do jogo.

Fazia o que muito bem entendia / E quando alguém discutia... / O Juca guardava a bola. / Ninguém brigava com o Juca. / Juca era o dono da bola.

Na hora de escolher o time / Era o Juca quem primeiro dizia / Os meninos que queria pro time dele./ Se o capitão do outro time discordava, / O jogo nem começava, / O Juca guardava a bola.
           
Ninguém brigava com o Juca. / Juca era o dono da bola

A garotada corria / De um lado para o outro. / Dribla daqui, chuta de lá, / Passa pr’ ali, / Cabeceia pr’ acolá .

Juca ficava sentado todo o tempo./ Mas na hora de fazer o gol se mexia,/ Corria e gritava: / !Passa que aqui quem faz gol, sou eu! /E, se o outro não passava / Ou se chutava e marcava / O gol que o Juca esperava... / O Juca guardava a bola.

Ninguém brigava com o Juca, / Juca era o dono da bola.

Todo gol que o outro time / Fazia, era roubado. / Ou tinha sido com a mão, / Ou de off side. Anulado.

O Juca dava rasteira, / Canelada, cabeçada, / Aleijava a garotada, / Juiz não marcava nada. / O tranco mais delicado / Dado no Juca, era pênalti. / E, quando alguém discordava, / O Juca guardava a bola.

Ninguém brigava com Juca. / Juca era o dono da bola.

Um dia, o Alfredinho achou / Que aquilo era desaforo. / Driblou o primeiro. / Driblou o segundo, / Driblou o terceiro, / Driblou o quarto... /O Juca gritou: / “Passa que eu marco o gol, Alfredinho!” / O Alfredinho  não passou, / Chutou e fez o gol sozinho.

O Juca xingou a mãe dele. / Ele meteu a mão no Juca. / (A garotada ficou assustada)

O Juca avançou pra ele, / Ele tornou a dar no Juca. / (A garotada ficou animada).

O Juca avançou outra vez, ele então, / Jogou o Juca no chão. / ( A garotada foi toda em cima do Juca).

Quando o Alfredinho voltou pra casa, / O pai estava se queixando / Que o dinheiro que ganhava não chegava /
Pra alugar outra casa,
Ao menos com mais um quarto,
Pra botar seus nove filhos,
Para comprar mais comida,
Feijão pra seus nove filhos,
Pra comprar umas roupas,
Pra vestir seus nove filhos,
Pra pagar uma escola,
Pra educar seus nove filhos,
Pra pagar o pneumotórax,
Pra mãe dos seus nove filhos.

“Papai, porque que o dinheiro  que você ganha não chega?” / “É pouco.” /  “Porque que é pouco?” /  “Porque o patrão paga pouco.” / “Papai, porque que vocês /   não pedem mais ao patrão?” / “O patrão despede a gente  /   e a gente fica sem pão” / “Porque que o patrão despede?” / “Porque ele é o dono das fabricas, /  ele é o dono das maquinas.”

“Papai, porque que vocês / Não fazem com ele / O mesmo que fizemos com o Juca?” / “Quem é o Juca?” / “Juca era o dono da bola.” / “Que foi que vocês fizeram?” / “Tomamos a bola dele.”

Como puderam perceber, a epígrafe desta minha homenagem a vocês está ao final deste belo poema de Mário Lago.
            Mas há algo de interessante (e contraditório) nestas palavras, neste poema, desta data, além, é claro, da Formatura de vocês. Afinal (e não é o fato mais importante de um 19 de julho na história da humanidade ), hoje é o Dia Nacional do Futebol.
É verdade eu há atos e fatos na história da humanidade mais importantes. Como, por exemplo, a vitória do exercito sandinista (Viva Sandino!) na Nicarágua, em 1979, ou a fundação do município de Assaré, no Ceará que, mais importante que a infinita maioria dos intelectuais da Casa Grande (vulgo Academia Brasileira de Letras) nos presenteou na história das letras com Patativa do Assaré.
Mas, o Futebol aqui, no cai bem.
Queria, neste momento, que nos enxergássemos como Juca e como Alfredinho. E quando falo para nos enxergarmos, é apenas o nosso exercício de definir nossas trincheiras (e, ao definirmos, também assim serão nossas bandeiras, nossas lutas, nossos/as companheiros/as e/ou camaradas de luta, nossos sonhos coletivos).
Juca e Alfredinho, bem possivelmente, passaram em nossas salas de aula, nos laboratórios, nos trabalhos individuais e coletivos, nas nossas avaliações, em nossas relações acadêmicas.
É inquestionável que, nestes mais de quatro anos, vocês tenham conhecido e convivido com Juca’s e Alfredinho’s. E essa convivência não era apenas uma personificação. Juca’s e Alfredinho’s viam e se afastavam de vocês quando pensavam em pesquisa, em trabalho, em escola... e muitas vezes eram Juca’s e Alfredinho’s (agora sim, suas personificações) quem provocavam essas convivências.
Vivemos um mundo de Juca’s. O “Dono da Bola” do capital manda, também, no campinho, no lado de fora do campinho, no juiz (e, portanto, nas suas regras e leis), na cor do uniforme, quem pode (e quem não pode) jogar. Manda nas canções que cantaremos entre uma partida e outra, no que beberemos e comeremos antes ou depois de cada partida. Manda, também, no lugar em que jogaremos: qual a nossa posição, o que fazer nesta posição, em defesa de que farei e contra quem atacarei nesta posição.
Vemos o Dono da Bola o tempo todo e ainda não identificamos (ou não nos identificamos) como Alfredinho’s para este jogo.
Mas é fácil compreender o que Alfredinho faria (além ou depois de tomar a bola do Juca).
O Campinho passaria a ser um lugar de todos, mas apenas de todos/as os/as Alfredinho’s. Sim, lamento: Juca’s não terão vez em nosso Campinho, pois não entenderão o que significa o campo ser de todos e, está na sua natureza, tentarão sempre dizer que, no final das contas, o Campinho tem um dono. Eles aprenderam isso tomando campos de índios, de campesinos, de quilombolas, de moradores pobres da periferia e, portanto, farão de tudo para que eles mesmos – índios, campesinos, quilombolas, pobres, homens e mulheres – percam o direito ao Campinho...
O lado de fora do Campinho tanto quanto importante como o próprio também será um lugar para nós (já assumi meu lugar), Alfredinho’s. Porque é ao redor do Campinho que estarão nossas casas e nossos quintais, nossas escolas, nossos hospitais, nossas igrejas (desde que a serviço dos Alfredinho’s e de nós, ateus), nossas plantações, nossas águas, nossas fábricas. E elas também serão de todos/as.
O Juiz representará apenas a nossa Lei: pobre, trabalhadora, mulher, negra, campesina e lutadora. É essa Lei, como expressão da realidade que temos e a possibilidade de sermos, todos/as, ver-da-de-i-ra-men-te FELIZ que iremos escrever e fazer cumprir. E não precisaremos mais de juízes, porque a Lei não precisará existir para que saibamos: nossos velhos são sagrados, nossas crianças são nossa responsabilidade, nossos trabalhadore/as são imprescindíveis e nossa felicidade é única e coletiva.
A cor do nosso Uniforme? Ah! não há o que discutir (e não é por imposição, é por coerência histórica): VERMELHA!, assim como será a nossa bandeira. Para que não esqueçamos de todo sangue que correu por aqueles/as que nos antecederam e nem de que lado estamos na história. O Campinho e tudo que o cerca ser de todos/as não é apenas uma perspectiva. É uma necessidade e, por ser necessidade histórica, é uma bandeira de luta... e ela precisa ser vermelha!
E que todos e todas (como Todos e Todas de nosso humilde picadeiro) possam beber e comer do bom e do melhor, celebrando o Campinho e tudo o que ele nos ensinou.
E só jogaremos contra Juca. Apenas contra o que ele representa, quem ele representa o porque ele representa. Precisamos tomar a bola para nós e fazermos isso em defesa daquilo que realmente é certo, é verdade, é justo e para todos e todas.

Mas, há um detalhe, caros companheiros e companheiras, agora, Trabalhadores e Trabalhadoras da Educação.
Precisamos cantar... Celebrar o lado em que estamos, como quem estamos, por quem estamos sem música, não é uma celebração. E vocês, talvez sem saber, bem possivelmente sem terem planejado, tocaram uma canção em seus computadores em sala de aula e que novamente foi cantada na Aula da Saudade que muito representa a este caminhante professor e aprendiz de Lutador do Povo.
Uma canção que desde minha infância, com outros artistas, cantores e canções que regavam o ambiente de minha casa, sempre se fez presente e, quanto mais avançava em meu aprendizado de Lutador do Povo, mais a voz e a canção se faziam presentes.
Mercedes Sosa, La Negra, em minha humilde opinião, deveria ser a homenageada de Lutas, a homenageada de Canções, a homenageada de Universidades, junto com grandes outros/as Lutadores do Povo. E, portanto, que possamos cantar e dançar sua “Canción com Todos!”
Porque certamente essa canção é celebrada pela Revolução Sandinista de 1979, na Nicarágua... É justo que possa também ser cantada e bailada neste 19 de julho de 2013.

“Salgo a caminar / Por la cintura cósmica del sur / Piso en la región / Más vegetal del tiempo y de la luz / Siento al caminar / Toda la piel de América en mi piel / Y anda en mi sangre un río / Que libera en mi voz / Su caudal.
Sol de alto Perú / Rostro Bolivia, estaño y soledad / Un verde Brasil besa a mi Chile / Cobre y mineral / Subo desde el sur / Hacia la entraña América y total / Pura raíz de un grito / Destinado a crecer / Y a estallar.
Todas las voces, todas / Todas las manos, todas / Toda la sangre puede / Ser canción en el viento.
¡Canta conmigo, canta / Hermano americano / Libera tu esperanza / Con un grito en la voz!”


É assim, queridos PROFESSORES de Língua Espanhola, hoje, formados pela UFPA/Castanhal.

Minha alegria de poder conviver com vocês ali, na reta final da vida acadêmica de vocês, tem o tamanho do coração e das lições de Alfredinho, tem a voz e a canção de Mercedes Sosa, tem dos desafios e os sonhos dos Sandinistas. E que eu possa testemunhar o retorno de vocês à essa casa que, é preciso reconhecer, ainda pertence ao Juca, ainda pertence à elite dirigente deste país. Por mais que tenhamos a boa sensação de que estamos vivendo um tempo de transição do que a Universidade Brasileira (pública, laica, gratuita) representa, mas ainda precisamos mais.
Disse-lhes ao final de nossos encontros acadêmicos: vocês continuam fazendo parte desta casa. Espero que retornem a ela, em outra condição, mas do lado de cá das trincheiras do dia-a-dia.

E que este dia 19 de julho não seja apenas o Dia Nacional do Futebol. Mas seja o dia em que tomamos a bola para nós. Porque somos Lutadores e Lutadoras do Povo.
           
Vida Longa à Turma Rita de Cássia Paiva.
Vida Longa!



Marcelo “Russo” Ferreira