“Um povo sem passado é um povo sem futuro”
(José Martí)
Em um contexto de Dia Internacional da Mulher, celebrado a dois dias mas que toma esta semana de manifestações, também me dirijo à Turma 2007 com este perfil de substantivo feminino (no português gramatical): A Turma 2007.
Durante os tempos em que nos aproximávamos desta data, deste evento, desta celebração, refletia a feliz coincidência de a termos em uma semana que, de maneiras antagônicas (consumidoras ou cidadãs), lembram (superficial ou radicalmente) o significado do Dia Internacional da Mulher. Mesmo não sendo, hoje, dia 8 de março, entendia como coerente buscar, para minhas palavras, o real significado desta data.
Em que pese (e isso não é ruim) termos, durante os semestres que compuseram nossa relação docente e de amizade, evidenciarmos nossas posições políticas e ideológicas entre a mera diferença e o profundo antagonismo, farei, das minhas palavras neste momento, aquelas que sempre me ensinam: de aprendiz de lutador do povo a jovens aprendizes de lutadores do povo. Aos que assim se entendem, um mero combustível à nossa luta e aprendizado. Aos que assim não se entendem, o convite constante ao debate, representação clara e verdadeira do diálogo, com o qual a sua ausência não possibilita o aprendizado verdadeiro e compromissado.
A turma 2007, sujeito coletivo feminino...
Podem não acreditar, mas a história de vocês tem início em 1917, quando um dos, talvez o mais importante, estopim da Revolução Russa acontecia em 8 de março daquele ano (28 de fevereiro, pelo calendário russo). É verdade que em 1909, em Nova York, pelo Partido Socialista da América, era celebrado neste mesmo dia, em memória à greve das operárias da indústria têxtil daquela cidade. Mas foi na Revolução Russa de 1917 que a mulher foi protagonista, não mera homenageada, pois elas lutavam contra a fome, contra o Império e contra a participação do país na Primeira Grande Guerra. Nas palavras de Leon Trotsky, “Em 23 de fevereiro (8 de março no calendário gregoriano) estavam planejadas ações revolucionárias. Pela manhã, a despeito das diretivas, as operárias têxteis deixaram o trabalho de várias fábricas e enviaram delegadas para solicitarem sustentação da greve. Todas saíram às ruas e a greve foi de massas. Mas não imaginávamos que este ‘dia das mulheres’ viria a inaugurar a revolução”. Que esta data, e toda a sua história e contradição, possa ser o combustível ideal a todos vocês. Que vocês possam inaugurar um tempo para a Universidade, para a Formação Docente, para a Educação e, no nosso particular, para a Educação Física.
E é nesta perspectiva que aqui me refiro, de pensar a saída de vocês da “institucionalidade” da relação acadêmica como um preceito de volta à esta Universidade. E se assim vocês comigo pensarem, vou repetir o desafio que já manifestei a turmas anteriores, quando de seus particulares momentos de formatura: “precisamos pintar a Universidade de preto, de povo, de operário, de camponês. Precisamos pintar a Universidade de índio, de mulher, de trabalhador”... e nada como fazer um convite assim durante a semana que celebra o Dia Internacional da Mulher.
Este data central, queridos e queridas professoras, que agora se legitimam, ao longo dos anos nos coloca um desafio profundamente histórico. Cada vez mais o Capital coloca o “sujeito-coisa” como central em todas as lutas populares e históricas. A mulher, a cada ano, vem ganhando (é verdade) o respeito às suas sutilizas, levezas, “singelidades”... As questões reais da feminilidade têm ganhado espaço, mas, ao mesmo tempo (e perigosamente) vem sendo cada vez mais “coisificadas”. Quanto vale e quanto se ganha com esta celebração de resistência e luta de um segmento? Luta esta que, à bem inquestionável da verdade, surgiu e fortaleceu-se na luta da classe trabalhadora e no enfrentamento das lutas de classe... A cada Dia Internacional da Mulher, experimenta-se um vácuo de sua ausência... durante 364 dias, “consumimos” uma mulher objeto, dos produtos de beleza à cerveja, dos desenhos infantis às novelas, a mulher é consumida, é objeto, assim como o é a classe trabalhadora. Suas lutas são transformadas, diuturnamente, em concessões, em pequenas flexibilidades de relações de poder e, pior ainda, de força.
Não obstante, não são as âncoras dos programas de auditório ou dos Bom Dia’s ou Tardes e seus BBB’s e similares colocados à disposição nas programações diárias de nossa mídia tupiniquim (inquestinavelmente idiotizantes) que levam ao seu público, com sua visão pequeno-burguesa, conservadora e frágil, a real importância da Luta das Mulheres. São justamente as mulheres que gritam diante do silêncio desta mesma mídia, todos os dias, dia e noite. Destas, destaco as mulheres do campo, as lutadoras do povo forjadas na própria luta. No brado forte e suave das mulheres campesinas, em 2009, neste mesmo Dia Internacional das Mulheres, sua bandeira nos convoca: “Reafirmamos a luta como única saída para as transformações sociais! E temos o direito de lutar! (...) Seguiremos lutando e organizando as mulheres, os homens, a juventude trabalhadora e as crianças para defender os nossos direitos de viver no Brasil justo, igualitário e soberano”.
Mulheres camponesas, caros professores e professoras aqui formados e formadas. Mulheres camponesas que não apenas nos dão mais uma lição nesta data (a de vocês também) e em nossas vidas e que afirmam: “temos o direito de lutar!”. Somam-se, vocês, ao conjunto de trabalhadores da educação. E somos muitos. Somam-se, vocês também, à luta pela transformação social – como direito que também tem, sempre tiveram, e continuarão a ter – de lutar, no conjunto da sociedade, pela justiça, pela profunda e radical igualdade social e pela soberania de nosso povo. Reafirma-se nosso compromisso social, agora na condição de Professores e Professoras, aqui legitimados/as.
Mulheres, independente até desta data histórica, também devem ser re-lembradas neste dia e, particularmente, na Formatura de vocês. Convido-as a se fazerem presentes neste que, parece-me, será um dos dias mais importantes da vida de vocês. Convido, meio que para serem Patronas da Memória e da Luta de vocês até este dia, mulheres como a escrava Nagô-brasileira Luisa Mahin, a educadora revolucionária russa Nadhezda Krupskaia, a Militante Comunista Rosa Luxemburgo, a ex-primeira-dama hondurenha Xiomara Zelaya e a componesa Rose.
Luisa Mahin, escrava africana do século XIX, mãe do abolicionista Luis Gama. Mais do que mãe de um abolicionista, foi uma lutadora contra a escravidão na então província da Bahia, quase se tornando Rainha da Bahia se os levantes por ela organizados tivessem êxito. Afinal, era rainha quando foi escravizada no continente africano. Pouco se sabe de sua história, mas as palavras de seu filho são suficientes para mais uma lição: "Sou filho natural de negra africana, livre, da nação nagô, de nome Luísa Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã. Minha mãe era baixa, magra, bonita, a cor de um preto retinto sem lustro, os dentes eram alvíssimos, como a neve. Altiva, generosa, sofrida e vingativa. Era quitandeira e laboriosa."... Reconheçamos: as palavras de Luis Gama parecem entoar que se tratava de uma mulher sem civilidade ou respeito às leis cristãs. Da minha parte (e, creio, também da parte dele), o reconhecimento de quem, muito antes de Carlos Marighela, já dizia a si e aos seus “não tenho tempo para ter medo”... e assim o fez pelo seu povo. Pensemos nisso a cada dia de nossa labuta, de nossos estudos contínuos, de nossas relações provenientes de nosso trabalho. Por quem o farei? Luisa Mahin! Presente!
Nadezhda Krupskaia, mais do que a esposa de Wladimir Lenin, foi uma educadora revolucionária, que colocou toda a sua vida (em tempos e condições sofridas do início do século XX em um país tornado pobre pelo imperialismo russo) a serviço da educação de seu povo. Antes mesmo da revolução de 1917, ensinava a trabalhadores fabris as letras, a escrita e a aritmética e, ao mesmo tempo, proporcionava-lhes a formação revolucionária necessária à transformação de sua relação de exploração. E, desta história e compromisso, num país de iniciação fabril e profundamente campesino, defendia a importância da organização da juventude e da educação e, para tanto, a necessidade de acesso a livros e demais materiais pedagógicos. Antes mesmo do maior educador que este nossa país já teve (Paulo Freire), uma educadora que defendia o direito do ainda analfabeto povo trabalhador russo ler e escrever, como instrumento necessário ao forjar de uma vida mais gratificante.
Em tempos de acesso superficial ao conhecimento (em que as cópias das Enciclopédias sem a apoderação do que se copiava fora substituída pelo binômio “control C – control V” destes nossos tempos de avanço da tecnologia), entrar no mundo do conhecimento, de sua produção e sistematização é, cada vez mais, um grande desafio de nossa formação superior. Pergunto-me se deixamos passar, com vocês, este sentimento de “dosar” o conhecimento e a informação necessária à formação de vocês. De minha parte, tenho plena certeza de que não dei este exemplo. Em que pese vocês já terem testemunhado esta postura por outros pares, desde os tempos das primeiras letras de vocês e, talvez, durante a formação superior à qual vocês agora concluem uma etapa.
Mas que fique o ensinamento de Krupskaia: ler as letras e reescrevê-las, é como ver o mundo e transformá-lo. Nadezhda Krupskaia! Presente!
Rosa Luxemburgo, militante polonesa de família judaica, já no ensino médio demonstrava sua altivez e autonomia, com compromisso social e revolucionário, tornou-se doutora en Economia Política aos 27 anos de idade, ainda no século XVIII. Mulher, jovem, deficiente física e doutora, num tempo em que apenas homens o eram e, diferente destes tempos atuais, jovem doutora de verdade. A sua história, melhor bibliografada do que a de outras que aqui passaram nestas reflexões, fala por si só. Sua luta é seu ensinamento, tornando suas frases apenas expressões registradas às futuras gerações daquilo que há de mais importante de suas lições: “Não estamos perdidos, pelo contrário, venceremos se não tivermos desaprendido a aprender”. A educação burguesa nos ensina (ou tenta, constantemente) que, de tempos em tempos, podemos interromper nosso aprendizado e, quando não, o faremos apenas para avançarmos sobre outros e outras, iguais a nós... Que não desaprendamos, coletivamente, a aprender. Rosa Luxemburgo! Presente!
Xiomara Zelaya, diferente das que a antecederam nestas palavras, está viva, entre nós... Esposa de Manuel Zelaya, presidente deposto de Honduras em 28 de junho de 2009. Em 7 de julho daquele ano, Xiomara Zelaya liderou uma passeata (das muitas violentamente atacadas pelo governo golpista daquele país) em Tegucigalpa, exigindo juntamente com o povo nas ruas o retorno de seu marido à presidência do país e a restauração da democracia hondurenha. Neste ato suas palavras ecoaram mentes e corações da soberania popular hondurenha e do mundo:
“É indignante, companheiros, que todos estes crimes não sejam punidos, jamais poderemos guardar silêncio; e esta manhã peço a todos os presentes que nos fiquemos de pé e levantemos as mãos para fazer um juramento em nome dos caídos e dos familiares das vítimas, juramos não descansar jamais até que acabe esta terrível impunidade e se capture e condene os assassinos!!!”. Em nome das mulheres hondurenhas, destacava a nobre liderança que eram elas, as mulheres, as primeiras a falar PRESENTE! naqueles recentes tempos sombrios hondurenhos.
Xiomara Zelaya ainda se faz presente, em vida, na luta contra a violência impune do capital e do imperialismo que, não esqueçamos, passou a mão na cabeça dos golpistas hondurenhos, numa inarrável postura imperialista do velho pensar norte-americano: “se pensarem como nós queremos que pensem, então, apoiamos”. Espero que compreendam, todos os dias, o que significa a luta contra a violência que os ataca no direito que passam a ter de exercer a profissão que escolheram.
Rose, simplesmente Rose, militante camponesa do MST, participante de uma das maiores ocupações de terra improdutiva da história deste país, ainda no rasteio da ditadura militar expressa durante o Governo de José Sarney. Tratava-se da ocupação da Fazenda Anoni, cujo processo de desapropriação havia iniciado-se em 1972, já reconhecida, naqueles tempos, como latifúndio improdutivo. Após 13 anos de burocracia improdutiva, a Fazenda Anoni foi ocupada por 1,5 mil famílias de pequenos agricultores sem terra, dentre elas, a família de Rose. Durante o período de ocupação, em documentário que, depois, foi conhecido como “Terra para Rose”, a camponesa, mãe, mulher dizia sobre as tensões daqueles tempos: “não... não sentia medo nenhum (...) Eu, p’ra trás, eu não volto. Daqui, é só se eu ir p’ra frente, porque p’ra trás eu não volto (...) E eu fui, com muita coragem e fé em Deus!”. Rose, camponesa, mãe, mulher, em uma ocupação marcada pela tensão e violência de jagunços e, também do Estado Brasileiro, morreu naquele acampamento. Vítima desta mesma violência. Mas suas palavras ecoam corações de lutadores e lutadoras do povo, todos os dias, em todas as suas lutas: “não sentia medo nenhum”. Há, em princípio, duas maneiras de não sentir medo. A primeira, é estar do lado do algoz. A segunda, é olhando em seus olhos, de frente. Rose e milhares de lutadores e lutadoras do povo fizeram a segunda opção. Rose! Presente!
Muitas e muitas mulheres deveriam passar por estas palavras, minha homenagem a vocês. Mulheres trabalhadoras, pensadoras, educadoras; mulheres negras, imigrantes, indígenas, camponesas, ciganas; mulheres que são muito mulheres e que perpassaram em minha mente, durante estas reflexões: Olga Benário, Dorothy Stang, Clara Zetkin, Clara Charf, Maria da Penha, Maria Bonita, Maria Célia Pereira... Todas Presentes!
Vocês escolheram, aqui, nesta celebração, Mirleide Chaar Bahia. Vocês são A Turma 2007, com o nome de uma mulher a marcar eternamente não apenas o legado de vocês, mas a história que ainda irão construir.
Vida Longa à Turma Mirleide Chaar Bahia!
Turma Mirleide Chaar Bahia! Presente!
Vida Longa!
Marcelo “Russo” Ferreira