“Esse livro é diferente. Quem o ler sem se sentir abalado, comovido e revoltado, por certo perdeu a alma (…). Esse livro é feito de vozes do mundo, vozes que clamam por dignidade, paz e justiça. A quem ficar insensível a essas vozes, peço que chore por si” (Boaventura de Souza Santos – no prefácio do livro Alto de Resistência*).
Meus caros alunos, estudantes daqui e de longe, de hoje e de tempos passados.
Saudações.
Por aqui, nas bandas do Pará, estamos p'ra começar mais um ano letivo, particularmente, com meus alunos da Universidade Federal do Pará – Campus de Castanhal.
Mas, enquanto “planejava” essas palavras, pensei que poderia escrevê-las, também, a alunos que já tive e, já no ápice de minha ousadia, a alunos que não tenho mas, por ventura e caminhos que seguem, passem em frente a essas palavras.
Nos últimos tempos, venho observando a juventude.
A juventude que me encontro semanalmente durante os semestre letivos que regem (não apenas ele) a minha vida profissional.
A juventude que aparece nos comerciais de TV, falando do que esperam da Faculdade onde estão matriculados, sorrindo falando que serão os melhores, que enfrentarão o mercado de trabalho, que passarão por cima dos obstáculos (objetos ou pessoas?) para vencer na vida.
A juventude que, pelo meu capricho de um mês de férias, entre leituras, passeio com os cachorros e tarefas domésticas, assistia nos programas “teens” de rua e de estúdio da MTV e, como num discurso que se basta, escuto um atrás do outro “Ah! Meu!”.
Venho realmente pensando na juventude, no que enfrentam (veja o artigo “Deu na Carta Capital...” desta semana), no que experimentam, no que esperam, no que buscam e fico me perguntando: a juventude perdeu a esperança?
Por que não consigo identificar nos jovens com os quais convivo mais cotidianamente, aquilo que leio embebecido nos livros de Makarenko, Ostrovski e Paco Ignácio Taibó II? O Jovem aguerrido, lutador, vibrante?
Penso, realmente, que não os encontro nos locais por onde ando, nos programas que assisto, só isso... Porque sei que eles existem, sei que estão por aí, mundo afora, na Via Campesina, no Exército Zapatista de Libertação Nacional e nas Ruas da Palestina, enfrentando canhões com pedras.
E é pela certeza deles existirem (porque também já os conheci, já convivi com eles e estou, novamente, em terras novas sob meus pés, reencontrando-os) que resolvi falar a vocês neste início de semestre letivo. Não são exemplos, não são orientações. São possibilidades, construídas pelas lições daqueles jovens, as que aprendi.
Aqueles que lutam, sabem não apenas pelo que lutam, mas, também, sabem que podem lutar. Para tanto, estabelecem, mesmo que ainda semi-letrados, uma outra relação com as letras, com os livros, com aquilo tudo que leem, por vontade ou por obrigação. Aprenderam rápido a lição de Paulo Freire, quando nos ensinava que o livro nunca está terminado. É quando o lemos que ele se aproxima de seu último capítulo e bibliografia. É quando dialogamos com ele.
Aqueles que lutam também nos ensinam que nenhum conhecimento e/ou ensinamento é tão absoluto em si que não pode ser contradito, que não possa ter em sua essência, o contraditório. E, para tanto, esse contraditório só será exposto se também nos expormos. Não precisamos da palavra, da autorização de nossos mestres e doutores para que possamos “questionar o conhecimento”, e nem precisamos dos mesmos títulos. Foi isso que durante séculos tentaram ensinar aos camponeses iletrados deste país, às lavadeiras, aos escravos-livres em seus quilombos, aos bóias-frias, às mulheres, aos faxineiros, aos garis. Sempre tentaram lhes dizer que se não tinham tanto estudo e letramento, tinham que “aceitar a vida como ela é”... satânica ignorância.
Aqueles que lutam também nos ensinam o principal, ainda que não único ensinamento: nada do que está em nossa frente, em nossa volta, está acabado. Acabado no sentido de concluído, não há mais o que modificar, mudar, transformar. Não, meus caros, nada é acabado. Porém, para compreender o que pode ser transformado/a, precisamos conhecê-lo/a e quanto mais o/a conhecemos, mais saberemos transformã-lo/a. Assim, precisamos dominar os conhecimentos os quais temos oportunidade de experimentar, tocar, observar.
Acima de tudo, meus caros. Não é apenas mais um período letivo que temos pela frente, não importa se mais perto ou mais longe de nossas formaturas. E, para além de vocẽs, não importa se já nos formamos, não importa se não estamos mais estudando. Importa que estamos sempre nos deparando com oportunidades de mudança e de transformação. E espero que vocês não apenas consigam enxergar isso, mas, principalmente, optem por fazer parte desta transformação.
E que a juventude possa ter, de novo, esperança.
Venham Todos!
Venham Todas!
Vida Longa!
Marcelo “Russo” Ferreira
* O Livro, recém lançado pela Editora 7, é coordenado por Bárbara Musumesi Soares, Tatiana Moura e Carla Afonso)