“Sou
bicha,
Sou preta,
Mas não sei se sou homem
ou sou mulher,
estou em processo.
Estou sendo o que sou”
(Liniker
– entrevista TRIP TV)
Quando era ainda criança, mas já no meu
processo de avançar (?) ao período da adolescência, alguns termos e valores
começaram a ir se consolidando em minha formação.
De coisas boas a bobagens, ou das bobagens às
coisas boas das relações humanas, termos como “bicha” (de vez em quando com o
adjetivo “louca”) e viado (isso,
assim mesmo, pra diferenciar do “veado”), por exemplo, desde muito cedo
entraram para o meu universo de valores em formação, na linha CERTO X ERRADO.
Eu tinha que ser homem. Já tinha a vantagem de
ser branco.
Daí, desconsolidá-los seria, e continua sendo, um processo profunda e permanentemente complexo e visceral. E, junto com este processo de desconsolidação, incluir não
apenas o trato com a homossexualidade (ainda que hetero), mas também com o
racismo, o machismo e diversas formas outras de preconceito que perpassavam até
as referências geográficas (“de onde tu vens?”, “onde tu moras?” etc.).
Este picadeiro de terra batida e lona furada de
circo, e seu pequeno público são testemunhas e cúmplices de nosso constante auto
reconhecimento: ainda persigo o machista, o racista, o homofóbico que está
escondido dentro de mim. Como um inimigo interno que está lá, se fingindo de
morto, e com a qual não posso desatentar.
E quando olho à minha volta, identifico até
mesmo em pessoas próximas um pouco destes (des)valores presentes e seus fantasiados
discursos hipócritas, a atenção sempre se redobra.
Talvez assim faz-se um revolucionário, por isso
continuo aprendiz.
E em lugares, palavras, sons à nossa volta,
continuo encontrando novas lições e quando as aprecio, sinto que continuo no
caminho certo.
E assim, conheci Liniker...
Um cara... hããã... uma cantora... quer dizer...
ééé... bom...
– Uma voz, um poema, uma música du canário,
Russo! (Strovézio).
– Isso, meu caro palhaço... só tu pra ajudar.
Liniker, como o/a próprio/a diz: apenas
Liniker. Não é “O” Liniker. Não é “A” Liniker”... É Liniker.
Pintou no youtube e se surpreendeu com a
quantidade de visitas e a divulgação. Já ganha alguns palcos de programas
alternativos de TV e outros que rola na internet.
Típico artista que, pela gama de fãs que já
aglutina, pela música, pelas ideias, pela ousadia, já “mereceria” um espaço nos
“programões de auditório” da TV Aberta.
– Espero que não mereça... Sacou?
– Vero, Strovézio... Mas se for, vai deixar
muito/a apresentador/a enrolado/a. Afinal, parece-me que Liniker está bem à
frente da mentalidade fútil destes programas.
– Programa do Jô, à parte... Liniker já pintou por
lá.
Pois bom...
Afinal, vejamos: negro/a, com cabelos rastafári,
estilo Dreads, às vezes com um turbante, às vezes de calça, às vezes de
vestido, às vezes tudo junto. Baton marcante em meio ao rosto com pelos de
barba ainda se formando, brincos exuberantes e voz forte e presente... não é Du Canário?
Em tempos de uma luta conservadora desenfreada
a uma baboseira alcunhada de “Ideologia de Gênero”, parece-me que para Liniker
já tá bom o que está sendo consolidado.
Pode ser que não... isso cabe ao artista.
Mas que Liniker chegou chegando, que é de uma
beleza profunda, humana, artística, periférica inquestionável, ah!, isso
Liniker é. Até porque, ele
“[...]
tem flores na cabeça e pétalas no coração
Tem raízes nos olhos, excitação
Acalanta o meu coração”
(Sem
nome, mas com endereço)
Escutei por aí...
Líniker!
Escutem também...
Venham Todos!
Venham Todas!