RESPEITÁVEL PÚBLICO!

VENHAM TODOS! VENHAM TODAS!

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Em um 22 de setembro



“O sertão vai virar mar...”
(Antônio Conselheiro)

Já nos manifestamos em tempos anteriores, aliás, desde os bons tempos do Arca Mundo, sobre o 22 de setembro. Normalmente, falávamos do “dia mais feliz de painho e mainha”, brincadeira para falar de nosso dia.
Aos 42 (e acho que já em anos anteriores), celebramos cada vez mais, tanto quanto cada vez mais contidamente, nossos aniversários. Mas, como a história desta lona de circo, de seus artistas que sempre passam por aqui com suas peripécias e malabarismo, com suas poesias, com suas histórias e, claro, nosso sempre estimado público, acabamos sempre pensando em um 22 de setembro diferente de outros.
Nestes tempos de dúvida sobre as relações sociais, sobre o quanto nosso mundo agüenta este consumo desenfreado e vertical, linear (e não se fala muito dos perigos disso)... em tempos em que as Guerras em nome da democracia que, à bem da verdade, é a última vontade de seus generais (que nunca vão ao front) se espalham mundo afora... em tempos de luta contra a desesperança enfrentada nas ruas da Grécia, Irlanda, Espanha, Itália, Inglaterra e os países do Norte da África (nem todos apresentados na nossa mídia tupiniquim, por serem mais difíceis de serem defendidas, haja vista o explícito interesse comercial, e não a defesa de seu povo) e, aqui perto de nós, no Chile, com os bravos estudantes que lutam contra a privatização completa do Ensino Público... em tempos que, cada vez mais, nosso intelectuais críticos ficam em suas confortáveis posições de intelectuais, chamando de infantis, imbecis e ingênuos aqueles que estão, dia-a-dia, na luta cotidiana, pensei em um personagem que, exatamente num 22 de setembro, tombou lutando.
Lembrei-me de Antonio Vicente Mendes Maciel, o histórico líder do Arraial de Canudos, no nordeste baiano que reuniu milhares de sertanejos famintos e desesperançosos e, o que a história sempre deixa de registrar, esquecidos por sua nação, à época, uma República recém investida ao Estado Brasileiro. Eram, aqueles milhares de sertanejos, esquecidos, oprimidos e sem esperança, assim como são os “rebeldes” na Síria, na Líbia, no Egito, na Costa do Marfin. E, cada caso e povo ao seu tempo, buscaram a esperança e a defenderam até o último homem que, no que nos reportamos agora, tombou em Canudos.
Melhor do que muitos, em tempos atuais, Antônio Conselheiro foi um estudioso: das línguas (aprendeu latim, português e francês), professor, um grande amigo dos pobres de sua região (Ceará), pais das próprias irmãs. Caixeiro, escrivão, quase advogado (o que se chamava, à época, “solicitador”)... Também foi um pouco ilusionário, errante de suas próprias convicções e certezas. No fim destas andanças, enfrentou quatro expedições militares do governo brasileiro, tombando, junto com seu povo, na quarta expedição... em um 22 de setembro. Canudos ainda resistiria até 05 de outubro de 1897.
De comum aos tempos de hoje, a união conservadora entre a Igreja, o Latifúndio e a Imprensa, com o Estado sempre a disposição de seus interesses. Há mais de cem anos atrás, era a mesma coisa.
Em 22 de setembro de 2011, me inspira estar firme, forte em minhas convicções e ainda aprendiz delas.
Me inspiram meus amigos, muitos amigos aqui, perto, mais ou menos perto, longe, muito longe na distância física, mas fruto de minhas andanças e amizades sempre preservadas, sempre pertos em meu caminho, convicção e esperança.
Me inspira, ainda que na contradição, minha família que, assim como meus amigos, estão perto e longe. Minha família presente, minha família que já não está entre nós, meu velho e grande avô Hiram de Lima Pereira, mais um “filho de Canudos” que tombou lutando.
Me inspira Tábita... minha esposa, companheira, amiga e, assim como eu, também aprendiz de lutadora do povo.
E muito disso devo à história de Antônio Conselheiro...

“Viva Zapata!/
Viva Sandino!/
Viva Zumbi!/
Antônio Conselheiro!/
Todos os panteras negras/
Lampião, sua imagem e semelhança/
Eu tenho certeza,
eles também cantaram um dia”
(Chico Science – Monólogo ao pé de ouvido)

Por todos os lutadores e lutadoras do Povo, que tombaram e continuam a tombar na luta contra a opressão, o capitalismo, o imperialismo, o latifúndio...
Viva, para todos nós, o 22 de setembro!
Dia de Antônio Conselheiro!

Venham Todos!
Venham Todas!

Vida Longa!

Marcelo “Russo” Ferreira

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Conversas ao pé de ouvido de Fernanda Helena...




“Quando o verde dos teus "óio"/
Se "espaiar" na prantação/
Eu te asseguro não chore não, viu/
Que eu vortarei, viu/
meu coração”
(Asa Branca – Luiz Gonzaga)

Salve, Salve, nossa Pequena Fernanda Helena, de nome composto, uma pronúncia forte, firme: Fernanda Helena. Daquelas pronuncias que, quando fizeres suas pequenas traquinagens (e espero que faça), escutará com a altivez que, paradoxalmente, lhe dará ate orgulho: “Fernanda Helena, vem já p’ra cá!”... “Vou levar uma bronca da mamãe, mas que meu nome é bonito, é...!” irás pensar.
            Nossos artistas e público não conhecem seu pai, mas, conhece sua mãe. Val é a expressão de uma figura decidida e coerente e, não menos, isso nos ajudar a conhecer-te também e, desta maneira, ousar algumas palavras ao seu “pé de ouvido”... Sim, estás certa: pé não tem ouvido e ouvido não tem pé...
            Fernanda e Helena. A primeira de origem teotônica (germânica), de um tempo em que este povo (os teutônicos) eram donos de uma parte significativa da Europa. Povo culto nas artes, culturas, ciências e comércio. Mas também de uma história complexa entre Estado e Igreja... Papo p’ra outra hora. Já Helena tem origem grega. Lembra a história de “Helena de Tróia” (a mulher mais bela do mundo), né?
            Mas, importante aqui, é vermos em seu nome amor, responsabilidade, serenidade, perspicácia e confiança sintetizam a Luz e Ousadia que estão presentes em seu nome: se tomarmos a expressão de um dos maiores nomes que a história da humanidade já conheceu (mas, por motivos evidentes, pouco aparece nos livros), Wladimir Lenin (“a ousadia é o que dá sentido à vida”), estás com algo a mais para dar sentido a sua vida, além da ousadia, pois ousará sempre para ti e para os outros. Nada mal para quem está começando.
            Já que estás chegando por esta bandas pela primeira vez, vamos logo anunciando que sempre procuramos cumprir com a mais humilde tarefa dos artistas do povo, aprendizes de lutadores como sempre nos entendemos: nossas lições.
            O Mundo, a história da humanidade, suas tensões e conquistas de milênios sempre nos dão lições importantes, ainda que a humanidade teime e não aprender muito com elas. É como pensar as coisas pequenas de nossa casa, de nosso dia-a-dia e aquelas pequenas “chamadas” que nossos pais, avós e tios ou tias sempre nos dão e, quando insistimos e dá errado, escutamos: “eu te avisei!”. Claro, nem sempre eles estão certos. Se sempre estivessem, de onde sairiam então outros tantos “mais velhos e experientes” que fazem tanto mal ao seu povo?
            A humanidade, pequena Fernanda Helena... a humanidade, quando não tira suas lições, padece de repetir sua sina de, de tempos em tempos, recriar suas crises. Em tempos atuais, EUA e Europa que o digam... Mas, as nossas lições são mais humildes, são mais para “tentar aprender, ensinando”... Mas são grandes, em nossa luta por um tempo e mundo melhor para você que chega e os outros que já chegaram e também foram por nós saudados.
Já que estamos falando de ousadia, pequena Fernanda Helena, falemos de um 2 de agosto de um longínquo 216 a.C. Nestes tempos que antecederam o nascimento de um dos maiores revolucionários da história da humanidade (Jesus Cristo, sim, um grande revolucionário) acontecia a Batalha de Canas, uma verdadeira obra-prima de tática de guerra segundo alguns estudiosos. Em terras brasileiras, seria como a saga de Antonio Conselheiro em Canudos. Daí, Fernanda, nossa primeira lição: a ousadia sempre requer prudência, senão se transforma em teimosia e, assim, nada se compreende. Vencer uma batalha não significa vencer uma guerra ou vencer sempre.
02 de agosto, no século passado, colocou frente a frente, em anos diferentes, o paradoxo de um conflito movido pelo poder (que sempre move pessoas, para o lado certo ou para o lado errado): foi em um 02 de agosto, em 1934 que Adolf Hitler ascendeu ao cargo de “führer” na Alemanha. Onze anos depois, em 1945, as grandes potências aliadas, vencedoras da 2ª Grande Guerra Mundial determinavam os termos da rendição da mesma Alemanha, derrotada. 35 anos depois, o Iraque invade o Kuwait e mais uma guerra se inicia. Estes dois conflitos não existe mais, por si. Mas deixaram rastros de intolerância e de ânsia pelo poder que se eternizam e formam fortes raízes em todos os quatro cantos deste mundo... poder e força, pequena Fernanda Helena: palavras que a humanidade aprendeu a combinar muito mal e que, esperamos, saibas entende-las, compreende-as, exercita-as com ousadia e luz, como seu nome o é. O poder e a força podem ser bem combinadas... nos ensine isso, certo?
Assim como você, sempre nascem pessoas em um 02 de agosto. Todo tempo, em todos os lugares do mundo. Outros partem, também. A gente escolhe, sempre, pelas lições:
Foi em um 02 de agosto de 1924 que nascia James Baldowin, um escritor americano, mas de formação profundamente francesa, negro e que ficou conhecido, em sua obra também, por ser um ativo defensor da minoria negra e gay... Isso nos idos dos anos 1960. Hoje, negros e homossexuais continuam perseguidos, amedrontados, mortos por serem negros e homossexuais. Imaginemos isso a 50 anos atrás, hein? Foi em 1979 que ele disse sobre sua terra natal e a França: Os brancos se dizem perplexos com o holocausto na Alemanha. Não podiam se imaginar capazes de tão grande barbaridade. Duvido, porém, que os negros tivessem essa reação de espanto, pelo menos no mesmo grau. Também aqui, pátria dos direitos humanos, existe racismo. Em Paris há um bairro negro que se parece muito a um gueto nova-iorquino. Os franceses tinham certeza de que não eram racistas, depois veio a Indochina e a Argélia e aí descobriram então que também tinham seus negros”. O preconceito sempre baterá à sua porta, Pequena Fernanda Helena. Só a deixe entrar para ela deixar de existir.
A história de Luta do povo latino-americano, em tempos de ditadura (anos 60 a 80 do século passado) tiveram sua importante passagem em um 02 de agosto. Foi em 1942 que nasceu Isabel Allende. Ela era sobrinha de segundo grau de Salvador Allende, presidente chileno assassinado em 11 de setembro (que nunca aparece nos nossos livros escolares como expressão do terrorismo contra uma nação) de 1973. Sua obra mais marcante (na vida deste pequeno aprendiz de lutador do povo) foi “A Casa dos Espíritos” que, um ano depois de escrita, foi para o cinema, numa bela obra que nos ajuda a compreender como funciona uma ditadura... para nunca mais a querer novamente. O cinema nos proporciona inúmeros aprendizados, Fernanda e esperamos que não seja diferente para ti.
Mas é de outra arte que também vive o 02 de agosto e, neste particular, com honra pernambucana (a terra-coração deste que te fala ao ouvido). Foi em 1944 que Recife nos deu Naná Vasconcelos, um dos maiores percussionistas de nosso país, do tambor de alfaia (do Maracatu) ao Berimbau. E esta lição é das melhores e mais importantes: FAÇA MUUUUUUITO BARULHO, Fernanda. Escuta, ouça, descubra, explore os sons magníficos que o mundo ainda nos proporciona e crie sua música, seu batuque, sua dança... A humanidade sem música e dança, não é humanidade.
E por falar em musica, terminamos esta nossa pequena aventura (que ainda nos proporcionaria muito mais viagens) com a lembrança também musical, mas de partida... e que foi nossa provocação no início de nossas palavras. Afinal, foi em um 02 de agosto, em 1989, que perdíamos a presença do Rei do Baião. Mais rei do que muitos reis e rainhas que por aí se intitularam como tal, em nossa música. Um cantador de seu povo, de sua sina, de seu sofrimento e de sua alegria. É verdade que, do ponto de vista político, se bandeava com certo perfil coronelista, dos tempos de outrora. Mas não representou isso em sua música. Quando pintar o primeiro namorado, daqueles assim que tu tiver uma queda, um chamego bem particular, celebre com um forrozinho pé-de-serra, que vale a pena.

Seja Bem Vinda, Pequena Helena Fernanda!
Seja Bem Vinda!
Vida Longa a Fernanda Helena!
Venham todos!
Venham Todas!
Vida Longa!


Marcelo "Russo" Ferreira