Começo,
como sempre, com minhas saudações. Aos amigos da mesa, Adriano, Kelly e Márcia,
honrada com o nome da Turma, “Turma Márcia Cristica Greco Ohuschi”. Uma boa
noite também os amigos e familiares aqui presentes.
Prezados e prezadas Professores e Professoras de Letras,
aqui formando-se, neste 27 de abril de 2012.
Minha mais profunda, sincera, comovida e honrada
saudação.
Eu particularmente fiquei imaginando o que vocês disseram
a seus pais, seus e suas companheiros e companheiras, familiares e amigos ao
dizer-lhes que convidaram um professor de outra Faculdade para ser paraninfo da
Turma de vocês. Mais ainda, um professor de Educação Física. Talvez
estranhamentos que, no final das contas, são comuns quando falamos desta área
do conhecimento.
Mas, talvez, esse também seja um grande desafio de nossa
Universidade Brasileira: extrapolar as barreiras disciplinares, que a modernidade
cunhou em nomes diferentes, em áreas diferentes, vários, quase incontáveis. E
se é possível celebrarmos com outras áreas, então, é necessário re-desenharmos
e re-escrevermos a universidade para além de suas caixinhas de conhecimento.
Celebrar, portanto, este momento com vocês é mais do que uma conquista e
alegria particular. É mais uma prova de que o conhecimento é universal e
interdisciplinar, inclusive em sua celebração.
E agora, cá estou, falando para vocês, Turma 2008 da
Faculdade de Letras. Claro, pensei nas letras e naquilo que elas formam,
enquanto ia organizando esta retribuição à honra recebida: ser seu paraninfo.
Homenagear
a Turma de Letras é desafiante. Assim como foi desafiante minha decisão em
aceitar o convite da nossa querida Professora Kelly: ministrar uma disciplina
na Faculdade de Letras. Talvez por isso, pelo desafio, pensei construir um
“passeio sobre as palavras”. Aquelas que me levam a datas, a fatos históricos,
a pessoas (preferencialmente os lutadores do povo) e suas palavras, suas
idéias, suas lições.
Portanto, ao pensar nas palavras, pensei nas idéias que
as palavras formam e lembrei-me de nossos encontros, de nossos debates, de
nossas reflexões e daquilo que construímos em sala. Lembrei-me de “V” e, em
particular, quando seu protagonista nos alertava: “um homem pode morrer, lutar, falhar, até mesmo ser esquecido, mas sua
idéia pode modificar o mundo mesmo tendo passado 400 anos”. Eram idéias,
assim como nós construímos inúmeras, incontáveis idéias em sala de aula e,
tenho certeza, vocês assim o fizeram não apenas comigo, mas como todos e todas
docentes que passaram por vocês ao longe de sua formação, nesta Universidade.
E, como a construir meu último papel pedagógico junto a vocês, na condição de
formandos e formandas em Letras, deixo minha primeira-última lição (e lições
servem para serem apreendidas, compreendidas, revisitadas e ressignificadas.
Lições servem para não serem esquecidas): idéias nunca morrem. Por isso elas
são necessárias... Nunca as abandonem.
Aliás, mais do que nunca abandonarem suas idéias,
reconstruí-las constantemente. E reconstruímos idéias quando as colocamos em
nossa prática social. E só colocamos nossas idéias na prática social quando
elas estão a serviço de um coletivo. E aqui, minha humilde sugestão: que este
coletivo seja o Povo Brasileiro. E basta olharem para os lados, para a história
da maioria de vocês, para sua própria história para saberem o que quero chamar
de Povo Brasileiro.
As palavras e suas idéias me levaram a uma poetiza cubana,
Dulce Maria Loynas, que a 15 anos já não escreve mais, pois já não está conosco.
Mas deixou uma bela obra. Não, Dulce Maria Loynas não escrevia sobre a
Revolução Cubana, mas isso não fez de suas palavras menos belas. É em “yo te
fui desnudando” (fui te despindo) que revelo nessa escritora mais de minhas idéias-palavras: “Fui despindo você de você
mesmo, / de seus ‘vocês’ superpostos que a vida / te cingiu ... / / Te arranquei
a casca - inteira e dura – / que parecia fruta, que tinha / a forma da fruta. /
/ E diante do vago assombro de seus olhos / surgiu você com olhos ainda velados
/ de sombras e assombros ... / / Surgiu você de você mesmo, da mesma / sombra
fecunda - intacto e desgarrado / em alma viva ...” (“Yo te fui
desnudando de ti mismo, / de los "tús" superpuestos que la vida / te
había ceñido.../ / Te arranqué la corteza-entera y dura- / que se creía fruta,
que tênia / la forma de la fruta. / / Y ante el asombro vago de tus ojos /
surgiste con tus ojos aun velados / de tinieblas y asombros... / / Surgiste de
ti mismo; de tu misma / sombra fecunda-intacto y desgarrado / en alma viva...”)
- (De: Versos, 1920-1938).
A Universidade, à bem da verdade,
ainda não se despiu. Ainda não tirou sua casca burguesa, coisificada, mercadológica,
distante e descompromissada das relações humanas e sociais, distante de seu
compromisso com a humanidade.
Quantas e quantas vezes recorrerei
às palavras do bom e velho Comandante, Erneste Che Guevara, em discurso na
Universidade de Havana (nos primeiros tempos da Revolução Cubana), convocando
seus estudantes, professores e demais trabalhadores a pintarem a Universidade
de camponesa, de negra, de trabalhadora, e eu mesmo ousava acrescentar, de
mulher, de quilombola, de indígena, de ribeirinha, de operária... Mas, para
tanto, precisamos despir a Universidade. Despindo-a, nos despimos de nossos
“eu’s” e nos vestimos de nós. Despindo-nos, iremos despir a Universidade.
Ainda assim, é imprescindível
destacar meu testemunho, ainda que humilde e pequeno, no surgir vocês de vocês
mesmos. E caminhar na Universidade, Pública e no Norte do País é caminhar na
busca de vocês. Logro que tenham feito esse caminho, entre choros e alegrias,
entre descansos e noites não dormidas, entre estudos e celebrações.
Ouso dizer (no princípio Leninista
de “a ousadia é o que nos dá sentido à vida”) que ainda são poucos, nesta
Universidade – e falo sobretudo de seus docentes – que a querem pública, que a
querem popular, que a querem despida. Mais ainda, são poucos aqueles que lutam
por uma Universidade verdadeiramente Livre (com “L” maiúsculo), dentro de uma
Pátria verdadeiramente Livre e com o povo soberano. E lutar por esta
Universidade é também enfrentar os ditames do tal Mercado de Trabalho,
expressão atual da exploração de trabalhadores e trabalhadoras pelo julgo do
capital (que para existir, necessariamente produz miséria).
A bela passagem de Dulce Maria
Loynas, ainda que bem possivelmente ter feito este poema pensando no amor, nas
pessoas que se amam, e não nestas viagens que faço, ainda assim nos permite
mais uma grande, hercúlea lição: precisamos despir nossa Universidade e
revesti-la. Precisamos tirar-lhe a casca burguesa e fazê-la redescobrir-se de
Povo, de Gente. Precisamos, inclusive, fazer isso para que possamos tirar a
casca do Povo, no sentido de fazê-los encontrar, no redescobrir-se, sua
soberania. E essa tarefa não se cumpre sozinho.
Precisamos fazer de nossas letras
que compõem palavras que expressam idéias (que não morrem) nossos instrumentos
de luta. Que não tenhamos medo de, ao ensinarmos crianças, jovens, adultos e
idosos as artimanhas das letras e das palavras, ensinarmos seu real poder:
transformar, de verdade, o mundo. E já sabemos, só transformamos aquilo que
conhecemos.
Ninguém consegue transformar um
pedaço de madeira, metal, aço, pano, pedra em algo novo se não conhece,
verdadeiramente a madeira, o metal, o aço, o pano e a pedra. E não é apenas a
ciência aquela capaz disso. A relação do homem com a natureza e o conhecimento
produzido por essa relação é que possuem essa capacidade. Assim é como
transformamos o mundo e, assim, temos uma lição embutida na lição anterior (de
despir a Universidade): ensinem as idéias e que sejam idéias de transformar o
mundo.
Mais ainda, precisamos transformar
nossas palavras, conhecendo as palavras que não sabemos. As palavras do campo,
as palavras do quilombo, as palavras da favela, as palavras das comunidades
indígenas, das andantes comunidades ciganas. E, se buscarmos saber as palavras
que não sabemos, quilombolas, camponesas, indígenas e ciganas, ah!, aí sim,
talvez transformemos nossas palavras e nos transformemos com elas.
E se precisarmos de inspiração para
tal, que lembremos sempre deste dia, no meio de tantos dias importantes na vida
de vocês: 27 de abril.
Hoje, 27 de abril, é o Dia da
Liberdade na África do Sul, país cuja história conhecemos muito razoavelmente
bem. Nem com os olhos do mundo voltados, em 2010, para este país encravado no
sul do continente africano– durante a realização da Copa do Mundo de Futebol –
ele, o mundo (e, portanto, nós) o conheceu de verdade. Sabemos algo sobre o Apartheid,
sabemos tanto quanto de Nelson Mandela, quando se tornou o primeiro presidente
negro daquele país em 1994. Mal sabemos de seus partidos políticos, de sua
cultura, de sua música, bem menos do que ainda resiste ao direito de seu povo
natal, o sul-africano, como é o caso do seguimento conhecido como “africaners”,
os brancos que não aceitam o fim do Apartheid. E o Dia da Liberdade da África
do Sul continua sendo, no final das contas, Dia em que Lutas Continuam.
Ao tomar posse, naquele ano de 1994,
o então presidente Nelson Mandela, em seu discurso, fez uma fala que também
ficou conhecida no filme “Treinador Carter” (de 2005), dita por um de suas
personagens (Tino Cruz, representado pelo jovem Rick Gonzalez), com, claro,
algumas alterações hollywoodianas. Dizia Mandela: “Nosso grande medo não é o de que sejamos incapazes. Nosso maior medo é
que sejamos poderosos além da medida. É nossa luz, não nossa escuridão, que
mais nos amedronta. Nos perguntamos: "Quem sou eu para ser brilhante,
atraente, talentoso e incrível?" Na verdade, quem é você para não ser tudo
isso?...Bancar o pequeno não ajuda o mundo. Não há nada de brilhante em
encolher-se para que as outras pessoas não se sintam inseguras em torno de
você. E à medida que deixamos nossa própria luz brilhar, inconscientemente
damos às outras pessoas permissão para fazer o mesmo.” (discurso de Posse
de Nelson Mandela – 1994)... quando nos libertamos de nossos medos, nossa
presença automaticamente liberta os outros.
Essa lição nunca é fácil. Até
compreendê-la e assumi-la parece-nos tarefa grandiosa demais. Claro, necessitamos
cumpri-la coletivamente. Tarefa histórica nenhuma se cumpre sozinho ou sozinha.
Tarefas históricas devem ser cumpridas por todos e todas. E Mandela, naquele
ano de 1994, também cumpria com a tarefa de seu povo, de ser sempre mais, dando
lições de humanidade que seus antigos colonizadores nunca entenderam, nunca
entenderiam e nunca entenderão, porque ainda dividem e mundo em Hemisfério
Norte e Hemisfério Sul. Mandela cumpria com o legado de outro grande Lutador do
Povo Sul-africano, morto nas mãos do Estado. Falo de Steve Biko, que, como
processo de sua luta, nos deixou uma lição verdadeira: "Racismo e capitalismo são faces da mesma moeda". Se
lutamos contra toda e qualquer forma de preconceito (e, inclusive, se lutamos
contra nossos próprios preconceitos), lutamos contra este Sistema que o produz.
E se lutamos com essa mesma idéia (construir o antagônico do capitalismo),
somos companheiros, somos companheiras.
Como disse, dirigir-me a vocês,
seria um desafio. E realmente o foi. Sei que a relação que fiz, meio que
lúdica, de construir o caminho das letras às palavras e dessas às idéias,
talvez se distancie um pouco do contexto e dos referenciais de um Curso de
Formação Superior em Letras. Mas, nada como nossas viagens – que fortalecem
nossas ousadias – para construir novas aproximações.
Também de maneira ousada, gostaria de trazer aqui uma passagem de
meus tempos em que o violão ocupava com mais freqüência o meu colo e desta
relação saiam pequenas obras, pequenas canções que sempre fizeram também
companhia em minha estrada de aprendiz de Lutador do Povo. Pelo idos de 1998,
escrevi uma canção chamada “O Menino e o Palhaço”, da qual extraio a seguinte
passagem: “Ainda vou fingir minha derrota / minha esperança será também mentira
/ e quando menos esperarem / em seu vultuoso poder e vaidade / os pegarei por
trás como um fantasma / e me porei a rir, a cantar e a chorar sem tristeza / o
palhaço ri... / o louco ri... / quem chorava ri...” (a letra está publicada em http://arcamundo.blogspot.com.br/2007/09/sndrome-do-fantstico-o-menino-e-o.html)
À guisa da conclusão, optei por
escolher palavras e que expressam idéias. E as presenteio no meio das lições
que aqui ousei.
Amor!
Porque aquele que sabe realmente o que é amar é, verdadeiramente,
um Lutador do Povo. Que, enquanto nos desnudamos, descubramos o que é
verdadeiramente amar. Não o amor egoísta, não o amor da posse, não o amor
fetichizado. Esses são escritos com letra minúscula. Falo do Amor verdadeiro,
aquele que nós descobrimos por nossos amigos, por nossas amigas, por nosso povo
e por povos do mundo que lutam. O Amor revolucionário como sentido e como ato.
E que o Amor seja re-escrito com as cores do povo e que vocês ensinem sempre o
verdadeiro valor desta palavra... desta idéia.
Lutar!
Como expressão de felicidade, de alegria em meio aos desafios.
Porque um povo que descobre que pode lutar por algo e para todos é um povo
feliz. Como diria Anton Semiónevitch Makarenko, em sua experiência com as
crianças e jovens da Colônia Gork, no início do século passado e tão bem
detalhado em Poema Pedagógico: “Eles vão a luta! Que alegria é saber que se
pode lutar!”. E que Lutar seja re-escrito com as cores do povo e que vocês
ensinem sempre o verdadeiro valor desta palavra... desta idéia.
Celebrar!
Quer incorporemos a Celebração em nossas idéias, e que nossas
celebrações sejam a representação fiel, verdadeira e radical da manifestação
popular, aquela com a qual a burguesia não entende, porque celebrar a luta de
um povo, a luta contra o poder, a luta dos lutadores do povo. Que Celebrar seja
re-escrito com as cores do povo e que vocês ensinem sempre o verdadeiro valor
desta palavra... desta idéia.
Liberdade!
Palavra cada vez mais estranha em nossos tempos e cada vez mais
necessária. Pois Liberdade não se ganha, se conquista. Liberdade é, sempre foi
e sempre será fruto de nossos valores e de nossas posturas. Liberdade nunca
será individual, Liberdade sempre é de todos. E que a Liberdade seja re-escrita
com as cores do povo e que vocês ensinem sempre o verdadeiro valor desta
palavra... desta idéia.
Revolução!
Como meu convite final, mas que sempre o faço. Convido-os e
convido-as a serem revolucionários. Transformar o extraordinário em cotidiano.
Que seja, ela própria, a idéia! E que seja a própria síntese de Lutarmos por
Amor e Celebrarmos a Liberdade!
Vida Longa a este 27 de abril!
Vida Longa à Turma de Letras 2008!
Vida Longa à Turma Márcia Cristina Greco Ohuschi!
Vida Longa!
Marcelo “Russo” Ferreira
Muito obrigada por ter aceitado nosso convite, prof. Marcelo "Russo".
ResponderExcluirDiscurso arretado e ousado, te felicito meu irmão!!!
ResponderExcluirOlá professor Marcelo Russo, seu discurso foi espetacular. Estamos gratos por tê-lo durante seis meses em momentos de muitos aprendizados que irão somar experiencias importantes para nossas carreiras. Até breve!!! e como vc mesmo diz: Vida Longa!
ResponderExcluirVanessa Gomes
heheheh!!! Qdo o "cabra" é bom,mas bom mesmo...ele é amado em todas as áreas...Parabéns!!!
ResponderExcluirTelma
Salve, Salve, Mika.
ResponderExcluirComo é que eu não iria aceitar um convite maneiro como esse? Foi uma grande alegria para nosso Picadeiro e as nossas palavras...
Vida Longa!
Abraços
Há braços!
Camarada Máury.
ResponderExcluirÉ uma grande honra de nossa pequena Lona e nosso Picadeiro.
Aliás, acabamos de visitar o starik-mauri. Bacana mesmo...
Vida Longa!
Abraço
Há braços!
Minha querida Vanessa.
ResponderExcluirEspero que parte deste "até breve" seja você ocupando espaços nesta Universidade.
E a recíproca pelos seis meses de convivência e cosntrução é, claro, verdadeiríssima.
Abreijos
Há braços!
É, Telminha...
ResponderExcluirCabra inxirido é assim mesmo. Mas, realmente, a surpresa por esse convite da Turma de Letras foi espetacular...
E todo nosso Circo ficou honrado.
Abreijos
Há braços!
Professor Marcelo, que ingrata que eu sou...agora é que vim agradecer a sua ótima estada conosco. Pense aí em um tempo bom que deixou saudades!!!! Professores como você é que me faz ter certeza que eu estive de fato em uma universidade.
ResponderExcluirUm beijo pra você do tamanho do discurso. rssssss
Professor Marcelo, que ingrata que eu sou...agora é que vim agradecer a sua ótima estada conosco. Pense aí em um tempo bom que deixou saudades!!!! Professores como você é que me faz ter certeza que eu estive de fato em uma universidade.
ResponderExcluirUm beijo pra você do tamanho do discurso. rssssss
Marcelo, seu discurso foi inesquecível. Mais uma vez, parabéns!
ResponderExcluirsalve,Salve, querida Márcia... Que bacana ver você por aqui... Seja sempre bem-vinda ao nosso Picadeiro e nossa Lona de Circo Furada.
ResponderExcluirE Vida a Turma Márcia Cristina Greco Ohuschi!
Abreijos
Há braços!