Tela Jogo de Capoeira, de Johann Moritz Rugendas (1802-1858) |
“o
homem que diz ‘dou’ não dá/
porque
quem dá mesmo não diz/
O
homem que diz ‘sou’ não é/
porque
quem é mesmo é ‘não sou’/
O
homem que diz ‘tô’ não tá/
porque
ninguém tá quanto quer/
vai-vai-vai-vai-não
vou”
(Canto de Ossanha – Badem
e Vinícius)
Ok...
Vamos entrar numa seara que, possivelmente, não
conhecemos muito. Não em sua raiz, em sua vivência concreta, em sua arte, suas
cantigas, seu jogo e por aí vai.
A Capoeira...
Lembro, ainda em tempos de minha adolescência (ainda em
São Paulo), que Capoeira tinha vários “sinônimos sociais” e todos eles se
reduziam a “não faça capoeira, é coisa
(de) marginal”. Claro, anos 80. Muitos dos Direitos pelos quais este
picadeiro de terra batida vem se comprometendo, àquela época, eram cercados de
preconceitos e pré-conceitos. Não que não estejam ainda hoje... Os dados sobre
violência no Brasil são inquestionáveis, por exemplo.
Negros e (mais ainda) Negras sofrem todos os dias por
serem Negros e (mais ainda) Negras.
Mulheres?
Também... vítimas de machismo (que nos anos 80 ainda era “quem sustenta esta
casa” e por aí vai) e assédios até hoje.
Pessoas com deficiência? Basta ver as nossas calçadas,
transporte, acesso ao emprego... Lembremo-nos do outdoor no Paraná escrito
“Pelo fim dos privilégios para deficientes”.
Ser rockeiro/a, usar cabelo comprido também era e ainda é
sinal de “tem alguma coisa errada com
esse/a aí”.
O que dizer do debate em torno da homossexualidade.
Perseguidos, violentados, tendo que lutar por direitos simples de união civil
estável, por exemplo.
Sem falar no...
– Russo! (Palhaço).
– Fala, Strovézio...
– A Capoeira... volta pra Capoeira...
– Ah! Sim... empolgação e indignação, quando junta...
Pois bom.
Lembro que a primeira vez que pude “entrar” numa roda de capoeira
foi a convite do meu grandessíssimo irmão de terras soteropolitanas, Haroldo
Júnior. O Menino Pimpão já homenageado por essas terras circenses.
Ele falava da Roda, onde todos se olhavam, todos cantavam
juntos. Ele falava do “jogar com”,
pois sem o/a companheiro/a na roda, “tu
não joga com ninguém”. Ele falava de como a capoeira entrava em nossos
corpos e nos libertava.
E, naqueles tempos já pernambucanos, no meio da
militância no Movimento Estudantil, eu brincava de capoeira... eu jogava
capoeira... eu cantava capoeira...
Não fiz capoeira, muito menos me formei Mestre de
Capoeira, este sujeito de notório saber, como já reconheceu o Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico do Brasil, em 2008.
Mas, eis que o Conselho Nacional do Esporte, ligado ao
Ministério do Esporte formaliza a Capoeira e outras artes marciais com ESPORTE.
Isso... Capoeira é (apenas?) Esporte.
O ato foi no último dia 16 de fevereiro, No Clube Naval –
Rio de Janeiro... Um “Ato Institucional” sobre uma manifestação que tem
fronteiras mais largas e mais distantes do que o Esporte.
Se é verdade que tal ato permite o apoio do Estado
(Governo Federal, Ministério do Esporte e tals) à Capoeira, também é verdade
que isso se dará pelo caminho da Confederação e as Federações Estaduais de
Capoeira e, portanto, para a formação de “capoeras-atletas”. É o início do fim
da Capoeira.
Parece exagero?
Então vejamos... O Presidente do suspeitíssimo, mafioso,
violento, inescrupuloso Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) afirmou
quando do ato:
“A capoeira é esporte, tem competições,
são atividades importantes para o condicionamento
físico. Crianças, adultos e idosos praticam a mesma para diminuir a obesidade e, principalmente,
são atividades que têm federações e confederação. Já tinha aprovação do
Conselho, mas ainda não havia a publicação do Ministério do Esporte de uma
resolução a esse respeito”.
Sem esquecer que, para esta entidade escrota, Capoeira é atividade física... e
ponto.
– Ajuda aqui, Strovézio...
– Diz aí.
– Na declaração do Ad Eterno presidente do CONFEF
(blah!), tem jogo?
– Tem não...
– Tem ginga, mandinga?
– Nadinha...
– Tem cultura?
– Na-na-ni-na-não!...
Pois é... Esporte... competição... condicionamento
físico... combate a obesidade... É a isso que o Sr. Máfia do CONFEF considera
importante acerca da Capoeira? É a isso que ele reduz esta manifestação da
cultura corporal?
Explicando:
Foi em um 7 de fevereiro (quase no mesmo dia, portanto)
que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/IPHAN, em parecer
assinado pela antropóloga Maria Paula Fernandes Adinofi, já nos alertava:
“Popularizada como prática
esportiva, o ensino da capoeira passou a ser disputado pelos profissionais de
educação física que, através de normas do Conselho Federal de Educação Física
(CONFEF), instituíram a exclusividade do ensino de qualquer modalidade
esportiva ou atividade física em escolas, universidades e academias por
graduados na área. Esta deslegitimação secular dos velhos mestres que nunca
frequentaram os bancos da universidade em prol de agentes estranhos ao universo
mental, à cultura, às tradições, à ‘mandinga, manha e malícia’ da capoeira
(conforme sua definição por Mestre Pastinha) constitui-se em usurpação de um
saber popular, desenvolvido e mantido à revelia do Estado e da sociedade
letrada”
O texto completo está em:
Nosso picadeiro de terra batida não tem dúvidas.
Nós, reiteramos, reconhecemos nosso limite de não ser capoeira. Mas, ousamos dizer o que ela
não (apenas) é.
Vemos, com o aval do Ministério do Esporte/Governo
Federal, o movimento claro de uma instituição privada, que se entende (não para
este espaço) como “representante” da Educação Física brasileira querer ser
PROPRIETÁRIA de uma manifestação histórica e que vai além, muito além do que a
Educação Física acumula enquanto conhecimento.
Esperamos que os Capoeiristas e seus Mestres compreendam
o “canto da sereia” que é este movimento institucional e, o quanto antes,
possam reverter essa situação...
Um passo para este “recaminho” está em um movimento interessante,
organizado por Conselhos, Fóruns, Institutos e Associações voltados à Capoeira,
à Cultura, ao Patrimônio. Convidamos a todos/as a dar um pulinho lá e contribuir com esse movimento.
Do contrário, a Capoeira voltará aos porões do navio negreiro
de nossa sociedade. Padecerá de banzo e de frio... como a ladainha do navio
negreiro:
“Que navio é esse
que chegou agora
É o navio negreiro
com os escravos de Angola
Acorrentados no porão do navio
Muitos morreram de banzo e de frio”
(O
Navio Negreiro – Abadá Capoeira)
Venham Todos!
Venham Todas!
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O Universal Circo Crítico abre seu picadeiro e agradece tê-lo/a em nosso público.
Espero que aprecie o espetáculo, livre, popular, revolucionário, brincante...! E grato fico pelo seu comentário...
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Vida Longa!
Marcelo "Russo" Ferreira