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VENHAM TODOS! VENHAM TODAS!

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

O Universal Circo Crítico... Conversa de Preto...

A semana que se passou protagonizou e foi protagonizada pelas celebrações e manifestações país afora em razão da Semana da Consciência Negra. É verdade que houve, tempos atrás, um pequeno período em que a grande mídia televisiva e escrita deste país até dava mais atenção à data e suas manifestações, ainda que numa nojenta linha e postura de “politicamente correto”. Nos últimos tempos, entretando, descobriu-se que continua elite, branca, financeiramente poderosa e que não precisava mais ser “politicamente correto” e se limitou a pequenas notas e informações no estilo “coluna social”.
Porém, azar dela e daqueles que ainda a acreditam como democrática, crítica, que forma opinião livre de amarras econômicas e/ou políticas. Perderam, dentre outras coisas, um monte de Conversas de Preto que aconteceu naquela semana.
Conversa de Preto é algo mais do que podemos imaginar e foi com essa curiosidade que aceitei o convite de uma nova-grande amiga de terras paraenses para, no último dia 21 (um dia depois das celebrações oficiais em nome de Zumbi dos Palmares – Axé!) conhecer esse tempo-espaço de conversas, a Igreja Luterana, no Bairro do Telégrafo, aqui em Belém do Pará.
Paralelamente, resolvi que pesquisar sobre Conversa de Preto é algo de desnuda a concentração dos meios de produção, não importa sua frente (arte, música, literatura, informática etc.). Resolvi passear pela Internet, atrás de mais referências sobre o tema e é impressionante como o termo entra na linha do “conversa de pobre, conversa fiada”, jogando no lixo toda a imensa capacidade de oralidade, instrumento histórico de educação de gerações inteiras.
Um exemplo disso, encontrei em um sítio na Internet de uma empresa de venda de telefones móveis em Portugal em que clientes insatisfeitos discutiam os serviços desta empresa: “vê-se logo que são conversa de preto! Se vocês fossem para a escola aprender a ler e a escrever, fariam melhor figura!”, antecipado por comentários outros que, aqui, não vale a pena reproduzir. Também encontrei referências mais, talvez, poéticas e literárias, como um trecho de “Navalha, Venda e Tesoura” de Maria Helena (Helena Karsof)
particularmente, empreenderei esforços mais futuros para conhecer sua obra. Mas quase nada sobre Conversa de Preto em sua veia mais histórica – acho que é por isso que a ênfase está na oralidade.
Porém, o que me esforço é apenas, e humildemente, registrar que há muito tempo a luta do homem contra o poder é, também, a luta do preto contra o racismo. E até neste singelo espaço chamado O Universal Circo Crítico essa luta se trava, lembrando que, em pelo menos duas oportunidades (uma delas no maravilhoso Arcamundo –
www.arcamundo.blogspot.com), passeei por assuntos referentes a este tema que, neste mundo que precisamos enfrentá-lo e transformá-lo coletivamente, até registrou depoimentos “não despoliticamente incorretos” de Nobel da Ciência, Reitores de Universidades Públicas e Programas de Televisão dominicais e seus pejorativos eou suas conclusões científicas.
Mas Conversa de Preto nos ensina outras vidas também: a termos orgulho de nossa luta e de nossos aprendizados. De nossas viagens, imagens, desejos e fantasias por um mundo digno para nós, nossos pais e nossos filhos.
E foi inspirado pela fantástica oportunidade que tive de participar de uma Conversa de Preto que vasculhei em minhas memórias poéticas uma canção escrita em 1987 e que foi gravada e tocada pelo imortal (para mim) Afã, digna, inclusive, de uma singela classificação em Primeiro Lugar em um Festival da Canção do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, dois anos depois. E desta canção faço a minha contribuição à Conversa de Preto que, espero, vivenciarei inúmeras mais.

Apresento, “Negro Albatroz”...

“Qual é o conceito de liberdade / que se passa nas letras / de um dicionário? / Ou se joga em formas / oclusas no mundo? / Que não se conhece. / Que não se afirma / e que paira no ar, / qual um pé de vento / que diz: ‘Até logo!’, / sem mostrar teu rosto / e faz teu caminho, / e nos deixa saudades / sem te conhecer, Liberdade...

O suor de um rosto / marcado por anos. / Levado a promessas / e mais desenganos. / Mostrado conceitos: / ‘Procure uma luz!’, / é a luz de uma vela. / O vento apagou / e não há mais luz, / não há mais caminho, / esperança não há. / Desfez o conceito / guardado à memória / de uma criança. / Um sorriso no rosto. / A idéia interna de Liberdade.

Desfez-se o caminho. / Desfez-se a luz / que não se acende. / Mostrada a mentira / da palavra verdade. / E a luz aparece. / Aparece a sombra. / É sombria e negra, / enganada e fria. / Curvas tortuosas / e completas de calos. / São como um símbolo / forte de um negro, / que procura uma flor. / Já não há mais flor. / Já não há mais cominho p’ra Liberdade.

Se você gritasse, / se você perdesse, / se você um dia pensasse: / ‘E se eu vencesse?’. / Se você dormisse / e não acordasse. / Você sonharia / desmanchar o conceito? / ‘Eu sou livre!’.

Achaste o caminho. / Achaste o conceito. / A luz te achou. / Não existe senzala / e já não vives no mato. / Tu és como Cristo, / com as costas marcadas, / as mãos calejadas. / Sábio de Mestres / de tanto dilemas. / De vidas vividas / e idéias concisas. / Albatroz de uma sombra. / És uma sombra que voa, / Liberdade ressoa. / És Negro-Albatroz Livre!

... / ‘Eu sou livre! / Eu sou Negro! / Sou Negro de cor, / sou Negro de raça, / Negro justiça! / Negro-Albatroz!’, / um sonho de Negro. / Liberdade sonhada. / O sonho acabou. / A Liberdade não!”


Venham todos! Venham todas!
Vida Longa!

Marcelo “Russo” Ferreira

Obs.: Essa, como outras, é uma canção de minha vida. Está registrada em cartório comum.

3 comentários:

  1. Hummmmmm! Começo a ficar mais curiosa por essa banda. Afã.
    Quantas histórias com ela entrelaçando né? Que lindo.
    lembrei-me de minha mãe, pedindo pra que eu passasse creme no cabelo pra ele "sentar", e eu: mas é assim mesmo mãe, é cabelo de preto! Fica assim.
    E ela prontamente: VOCÊ NÃO É PRETA!
    Que coisa né? Sangue da escravidão correm em minhas veias, e eu não sou negra...aff!
    Linda letra! Mesmão!
    Há braços!
    beijinhos

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  2. "Um sorriso negro, um abraço negro..." Dentro dessa luta como é bom compartilhar com os nossos pares as mesmas lutas. Isso nos ajuda a aumentar a nossas forças de continuar sempre em busca de um mundo mais justo.
    Valeu Marcelo Russo por suas palavras escritas e quem sabem um dia ouvidas com a melodia de cada letra que voce nos presenteia.

    Beijos e abraços
    Renata - Goiania

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  3. Isso foi realmente interessante. Adorei lê-lo

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O Universal Circo Crítico abre seu picadeiro e agradece tê-lo/a em nosso público.
Espero que aprecie o espetáculo, livre, popular, revolucionário, brincante...! E grato fico pelo seu comentário...
Ah! Não se esqueça de assinar, ok?
Vida Longa!
Marcelo "Russo" Ferreira