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segunda-feira, 21 de junho de 2010

E lá vai Saramago...



“(...) Todos os dias têm a sua história, um só minuto levaria anos para contar, o mínimo gesto, o descasque miudinho duma palavra, duma sílaba, dum som, para já não falar dos pensamentos, que é coisa de muito estofo, pensar no que se pensa, ou pensou, ou está pensando, e que pensamento é esse que pensa o outro pensamento, não acabaríamos nunca mais”.
(José Saramago – Levantado do Chão)




          





           E lá vai José Saramago.
          E vai com toda sua história, gestos, sílabas, sons, pensamentos que nos levam a pensamentos, mais pensamentos... e que, em um pequeno texto de blog, não dá p’ra contar.
          Na última sexta-feira, dia 18 de junho, o Universal Circo Crítico se fez em lágrimas. O mundo, as letras, a luta do povo e seus lutadores perderam um grande lutador, um grande nome, um grande nele mesmo.
          Longe de querermos ser o supra-sumo da obra de Saramago, apenas nos somamos aos seus incontáveis admiradores. E somos isso mesmo: admirador, que, assim como muitos, quando teve a primeira obra em mãos, se encantou. Assim como sempre dizemos à juventude, “toma a sua juventude”, assim o foi com sua obra que, quando tomada em nossas mãos, parecia que nos servia de alento e, ao mesmo tempo, energia para continuarmos lutando.
          Era como, no contraditório, tomar as palavras contadas sobre a luta campesina em terras portuguesas ("[...] o desespero alimenta-se da extenuação do corpo, torna-se forte e a sua força regressa violenta ao corpo [...]”) e alimentar-se de sua obra e filosofia literária para voltar a ela, por suas letras. As letras são sempre a sistematização de alguma coisa, idéia ou imagem e, regressando a elas, regressamos ao princípio daquilo pelo qual lutamos em nossa sociedade, local ou globalmente: pela transformação da sociedade.
          Foram, ainda, poucas as obras que o Universal Circo Crítico conheceu de Saramago: Levantado do Chão, A Caverna, O Evangelho segundo Jesus Cristo, Minhas Pequenas Memórias, Ensaio sobre a cegueira, Todos os Nomes. E em todas essas obras, lições que estão registradas em nossa memória e coração.
          O que aprendemos com o legado de José Saramago?
          Com Saramago aprendemos que o homem, o bicho-homem, ainda é comprado e vendido, e não pelo seu valor. “(...) De cada vez, sabemos, foi o homem comprado e vendido. Cada século teve seu dinheiro, cada reino o seu homem para comprar e vender (...)”. E tão claro, tão inquestionável que assim o é que não conseguimos entender por que, diante de tão clara e inequívoca denúncia, continuamos a nos comprar e a nos vender.
          Com Saramago, aprendemos que as palavras morrem, porque são assassinadas, não porque “se matem”. As palavras são assassinadas porque dizem ao povo, dizem aos seus lutadores “Revolução”, “Igualdade”, “Direitos”, “Reforma Agrária”, “Qualidade”, “Educação”, “Liberdade”. E quando palavras como essas são compreendidas em sua essência, valor e significado, realmente como trampolins de um novo tempo, de um novo homem, de uma nova sociedade.
          Saramago, comunista que era, nos ensinou sobre o capitalismo. E ao nos ensinar sobre a indubitável característica do capitalismo em destruir o homem e o mundo "(...) por tudo quanto fez por nós, um alqueire de feijão, uma saquita de milho, esta galinha a pôr, uma garrafa de azeite, três gotas de sangue” ele também nos disse que precisamos lutar contra o capitalismo. E lutar contra o capitalismo também é lutar contra a mídia brasileira – vendida, burguesa e capitalista – e sua incrível incompetência em questionar, se perguntar e responder “mas, por que ele era comunista?”, ao mesmo tempo que elogia sua obra e sua história.
          Saramago nos ensinou sobre a fome, e o fez dizendo o que é a solidariedade, o que é capacidade verdadeiramente humana de enfrentá-la: "(...) Isto fazemos ao pão quando cai, tomamo-lo na mão, sopramos-lhe de leve como se lhe devolvêssemos o espírito, e depois damos-lhe um beijo, mas não o comerei já, parto-o em quatro bocados, dois maiores, dois mais pequenos, toma lá Amélia, toma lá Gracinda, este para ti, e este para mim, e se alguém perguntar para quem foram os dois pedaços maiores, é menos do que um animal, porque o animal sei eu que saberia”.
          Saramago nos ensinou sobre a infância, sobre as crianças e, mais ainda (e por experiência própria o aprendi), nos disse com a simplicidade de uma criança que “(...) mas as crianças, podendo ser, crescem” e, a cada dia, a cada hora, a cada instante, tiramos a vida de nossas crianças, vendendo sua alegria, sonhos, desejos, criações pelo seu futuro. Estranha contradição, mas verdadeira constatação.
          Saramago nos ensinou sobre o trabalho e a ciência, seu valor, sua dignidade: “(...) e de cada vez que a foice entra no trigo, de cada vez que a mão esquerda segura os caules e a mão direita dá o golpe brusco de lâmina que derrota quase rente ao chão, só altas matemáticas saberiam dizer quanto vale esse gesto, quantos se hão-de escrever à direita da vírgula, que milésimas medem o suor, o tendão do pulso, o músculo do braço, os rins derrancados, o olhar turvo de fadiga, o escalão da soalheira. Tanto penar para tão pequeno ganho”. E nossa ciência, que insiste em dar as costas ao povo e suas necessidades.
          José Saramago nos ensinou a lutar, e lutar não apenas pelo pão a se comer, pelo trabalho a se exercer, mas pela dignidade do pão e do trabalho: “(...) Camaradas, não se deixem enganar, é preciso que haja união entre os trabalhadores, não queremos ser explorados, aquilo que pedimos nem sequer chegava para encher a cova de um dente do patrão, (...) Comendo vem a vontade, falando se aprende a falar”. Lutando, vem a vontade de lutar.
          Saramago, enfim (?), nos ensinou sobre a sabedoria: “O homem que assim se aproxima, vago entre as cordas de chuva, é o meu avô. Vem cansado, o velho. Arrasta consigo setenta anos de vida difícil, de privações, de ignorância. E, no entanto é um homem sábio, calado, que só abre a boca para dizer o indispensável. Fala tão pouco que todos nos calamos para o ouvir quando no rosto se lhe acende algo como uma luz de aviso”. E, por ser comunista, sabia o quanto é importante a sabedoria de um velho.
          Minhas pequenas lições aprendidas não se conterão na infinidade das palavras de Saramago, escritor que comparo a poucos, e, ao mesmo tempo, não consigo compará-lo com ninguém. Apenas alguns escritores que, a partir de agora terão sua companhia e, que assim como nosso camarada lusitano, tanto nos mostrou a importância de dizer de que lado estamos e contra que lado estamos; pelo que lutamos e contra o que lutamos; pelo que celebramos e contra o que celebramos.
          Hoje, o Universal Circo Crítico celebra José Saramago!



          Vida Longa a Saramago!



          Venham Todos!
          Venham Todas!


          Vida Longa!

Marcelo “Russo” Ferreira

7 comentários:

  1. Certamente é uma perda irreparável.Porém as suas obras são eternas,o que foi escrito está perpetuado no mundo das palavras.E você é prova disso,pois quando estive em sua casa pecebi logo entrando no escritório do lado direito próximo a porta, a sua coleção de Saramago.

    Beijos querido Prof!

    Elane

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  2. querido... é a dor de todos aqueles que sonham por outro mundo e é, ao mesmo tempo, a responsabilidade de todos de realizar outro mundo cotidianamente... beijo grande. Dri

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  3. Também senti a partida de Saramago, sabemos que ele ainda tinha muitas histórias para nos contar, muita vida para lutar com as palavras!
    Seu texto está lindo, está equilibrado com quem homenageia.
    Mvbjs

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  4. Olá, Querida Elane...
    E minha coleção aumentará, com certeza. Daqui p'ra frente é melhor homenageá-lo, na minha prática pedagógica, nas minhas viagens, nas canções que um dia voltarão...
    obrigado pela visita!
    Vida Longa

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  5. Oi, Drika, querida amiga e companheira...
    Um novo Mundo é sempre mais do que necessário e os lutadores que tombam, nesta luta, são sempre lutadores!
    Vida Longa a Saramago!
    E bom te receber por aqui...
    abreijos!

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  6. Olá, Camila...
    Suas passagens por aqui são recebidas sempre com muita alegria. E e sempre bom poder visitar seus espaço, que também é sempre bacana...
    Viva Saramago!
    MVBjs

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  7. Olá, Marcelo!
    Eu o saúdo com a alegria de quem reencontra um bom companheiro.
    Compartilho contigo o sentimento de gratidão pela presença de Saramago em nossas vidas. De certo que ele está, agora, a experimentar esferas ultrahumanas, donde, talvez não seja mais necessária a corporeidade. Todavia, o que podemos fazer pela preservação de sua obra é, pelo menos tentar imprimir novas marcas de humanização em nosso cotidiano, uma subjetividade que evoque a força capaz de se sobrepor aos apartheids por nós construídos ao sabor da distração coletiva.
    Saramago vive. Viva Saramago!
    Um beijo em sua alma sensível e bela.
    Celiana.

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Espero que aprecie o espetáculo, livre, popular, revolucionário, brincante...! E grato fico pelo seu comentário...
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Vida Longa!
Marcelo "Russo" Ferreira