RESPEITÁVEL PÚBLICO!

VENHAM TODOS! VENHAM TODAS!

terça-feira, 8 de março de 2011

Mulheres (parte II – O Dia)


                “Eu vo contá uma históra
                Que eu não sei como comece,
                Pruquê meu coração chora,
                A dô no meu peito cresce,
                Omenta o meu sofrimento
                E fico uvindo o lamento
                De minha arma dilurida,
                Pois é bem triste a sentença,
                De quem perdeu na isistença
                O que mais amou na vida (...)”
                (A Morte de Nanã – Patativa do Assaré)


                A dois dias atrás, apenas as primeiras reflexões sobre o Dia Internacional das Mulheres bem na semana de carnaval. Tanto as referências sobre a concentração de renda/salário (e com a inconteste realidade de que as mulheres atingem a qualificação de nível superior de ensino quantitativamente maior do que os homens – o que não deixa de ser também uma expressão da contradição da concentração de renda e exploração da classe trabalhadora), tanto no “qual mulher” se será evidenciada em tempos de carnaval.
                Porém, dialogando com alguns que por aqui passaram (alguns não deixaram depoimento aqui, mas em meu endereço virtual) e levantaram a tese de “carnaval – festa popular”. Ok, gosto de carnaval... Não tenho na minha história de vida muita curtição do carnaval em si. Em meus tempos de terras pernambucanas, brinquei bastante nas ruas de Olinda e Recife. Fora isso, lembro das brincadeiras de carnaval de minha infância, nos salões/matinês do saudoso Clube Tietê, em São Paulo... mas este, claro, não é o assunto destas reflexões divididas em (já anuncio) três partes.
                Patativa do Assaré (vulgo Antônio Gonçalves da Silva – um pequeno agricultor, nordestino, cearense, da região do Cariri), um filósofo trovador nordestino, possivelmente pouco conhecido de nossos jovens, inclusive aqueles que acham a leitura uma perda de tempo, em suas palavras de escrita grosseira, mas poética quase música, nos dá uma bela lição sobre as mulheres, ainda que na perspectiva de sua ausência, de sua perda.
                A recíproca, parece-me, é verdadeira:
                Enquanto não for percebido como um problema de todos as mulheres serem mais exploradas em sua mão de obra (que, destaco, em si já é uma exploração do capital), recebendo menos do que os homens pelo mesmo serviço, não viveremos melhor, nem homens, nem mulheres.
                Enquanto a violência contra a mulher, que não é pior nem mais amena do que a violência com o/a negro/a, contra a infância, contra o/a idoso/a (inclusive a violência silenciosa, quase “legal” de induzi-lo ao “empréstimo consignado” especial para aposentados/as) continuar existindo, não viveremos melhor, nem homens, nem mulheres.
                Enquanto o capital for mais importante do que as pessoas, o lucro mais necessário do que a partilha, o consumidor mais “real” do que o cidadão, não viveremos melhor, nem homens, nem mulheres.
                Enquanto a conduta humana (sic!) de explorar diuturnamente e infinitamente um planeta finito continuar prevalecendo em nossas relações sociais, não viveremos melhor, nem homens, nem mulheres.
                Enquanto o individualismo, a meritocracia, o fetiche, a hipocrisia dos valores morais (urbanos, brancos, ocidentais, “nortistas” e imperialistas) continuarem a conduzir as posturas e relações sociais, fazendo com que até as pequenas (aparentemente) posturas de correlação entre hierarquia e poder (acompanhadas pela força) não forem extintas, subsumidas da sociedade, não viveremos melhor, nem homens, nem mulheres.
                É na ausência do todo que podemos perceber a ausência das partes. Perdemos, cotidianamente, a verdade, o coletivo, a prática social das relações sociais... perdemos a leveza e com ela a sabedoria. Pensamos tanto no agora, que esquecemos o quanto o passado é necessário e o futuro uma condição de existência.
                Mas, se a indignação é compreendida, em sua essência, é verdade a presença da esperança... e não me parece tão casual assim que, do ponto de vista do “português correto” (em que pese sua ausência em Patativa não causar qualquer desqualificação em sua obra), indignação e esperança sejam palavras femininas. A indignação e A esperança.
                Que Nanã, a companheira querida por quem cantava Patativa, possa ser nossa Indignação e nossa Esperança, em suas palavras.

                “Saluçando, pensativo,
                Sem consolo e sem assunto,
                Eu sinto que inda tou vivo,
                Mas meu jeito é de defunto.
                Invorvido na tristeza,
                No meu rancho de pobreza,
                Toda vez que eu vou rezá,
                Com meus juêio no chão,
                Peço em minhas oração:
                Nanã, venha me buscá”

                Se assim vierem Indignação e Esperança, ficaremos...
               Ainda faremos mais uma pequena homenagem nesta semana.

                Venham todos!
    Venham todas!

    Vida Longa!

Marcelo “Russo” Ferreira

4 comentários:

  1. Oi Marcelo,

    Ansiosa pelo numero III. Beijos,
    Nêta

    ResponderExcluir
  2. Muito lindo estes texto, concordo com cada vírgula! Onde temos desrespeito à mulher, temos também desrespeito ao ser humano, é sempre assim.
    Discutir relações de gênero é muito mais do que discutir relações igualitárias entre os gêneros, contudo, é discutir relações justas entre os ser humano e estas não são medidas pelo capital. Enquanto o dinheiro e o lucro for mais importante do que todas as relações humanas, então estas estarão em segundo plano e toda injustiça e violência será "justificada".
    Tudo é mais profundo, tudo é mais do que discussão de gênero e você, Marcelo, mais uma vez, acertou na discussão!
    Parabéns, não tem como não lhe admirar a cada texto!

    ResponderExcluir
  3. Muito lindo este texto, concordo com cada vírgula! Onde temos desrespeito à mulher, temos também desrespeito ao ser humano, é sempre assim.
    Discutir relações de gênero é muito mais do que discutir relações igualitárias entre os gêneros, contudo, é discutir relações justas entre os ser humano e estas não são medidas pelo capital. Enquanto o dinheiro e o lucro for mais importante do que todas as relações humanas, então estas estarão em segundo plano e toda injustiça e violência será "justificada".
    Tudo é mais profundo, tudo é mais do que discussão de gênero e você, Marcelo, mais uma vez, acertou na discussão!
    Parabéns, não tem como não lhe admirar a cada texto!

    ResponderExcluir
  4. Olá, Camila...
    Nosso palco, picadeiro e estimado público sempre se honra com suas visitas, e com saudades de visitá-la também...
    Este ano foi diferente: escrever três textos sobre este tema realmente foi um grande desafio. Aprendi e aprendo muito com as mulheres, inclusive na contradição...
    Vida Longa!
    MVBjs

    ResponderExcluir

O Universal Circo Crítico abre seu picadeiro e agradece tê-lo/a em nosso público.
Espero que aprecie o espetáculo, livre, popular, revolucionário, brincante...! E grato fico pelo seu comentário...
Ah! Não se esqueça de assinar, ok?
Vida Longa!
Marcelo "Russo" Ferreira