“Papai, porque que vocês
não fazem com ele
o mesmo que fizemos com o Juca?”
“Quem é o Juca?”
“Juca era o dono da bola.”
“Que foi que vocês fizeram?”
“Tomamos a bola dele.”
(Mário Lago)
Prezados
hoje Professores de Língua Espanhola, oriundos da Faculdade de Letras da
UFPA/Castanhal.
Minhas
saudações.
Hoje,
minhas palavras não são presenciais. Isso, claro, não me incomoda. As circunstâncias
da docência, da convivência acadêmica nos levam, em diferentes momentos de
nossa vida, a estar presentes fisicamente ou não em momentos distintos. Neste caso,
minha homenagem será apenas neste picadeiro de terra batida e protegidos pela
nossa boa e velha lona furada.
Mas,
mesmo estando em outra “esfera” (viagem?) deste momento, o certo é que passei
algumas boas e significativas experiências com essa turma e, por compromisso,
vontade, paixão e aprendizado docente, acadêmico... militante...
revolucionário, não poderia de deixar minhas poucas, humildes e sinceras
palavras.
Pero cuidado ... No quiero
correr el riesgo de cometer sacrilegio lingüística, y por lo tanto mis palabras son en portugués, no
español ... (Y este tramo es
el traductor de google)
Ao
participar da Aula da Saudade, poucos dias após concluímos nossas atividades de
sala de aula, havia resgatado um pequeno poema (ainda que não tenha declamado)
que, segundo registros familiares, fora censurado durante o Estado Novo mas
que, como sempre na história, não havia se perdido totalmente. E, para minha
honra particular e singular, esteve nas mãos e na memória de meu avô, Hiram de
Lima Pereira.
Tratava-se
do Poema de Mário Lago, “O Dono da Bola” que, abaixo (e numa tripla homenagem:
a vocês, ao “Velho” – meu avô – e ao fantástico Mario Lago), reproduzo abaixo:
O
DONO DA BOLA (Mario Lago)
Quando o Juca concordava, / A garotada
tomava conta da rua / E armava o campo de futebol.
Juca era o dono da bola. / Juca era o
dono do jogo.
Fazia o que muito bem entendia / E
quando alguém discutia... / O Juca guardava a bola. / Ninguém brigava com o
Juca. / Juca era o dono da bola.
Na hora de escolher o time / Era o Juca
quem primeiro dizia / Os meninos que queria pro time dele./ Se o capitão do
outro time discordava, / O jogo nem começava, / O Juca guardava a bola.
Ninguém brigava com o Juca. / Juca era
o dono da bola
A garotada corria / De um lado para o
outro. / Dribla daqui, chuta de lá, / Passa pr’ ali, / Cabeceia pr’ acolá .
Juca ficava sentado todo o tempo./ Mas
na hora de fazer o gol se mexia,/ Corria e gritava: / !Passa que aqui quem faz
gol, sou eu! /E, se o outro não passava / Ou se chutava e marcava / O gol que o
Juca esperava... / O Juca guardava a bola.
Ninguém brigava com o Juca, / Juca era
o dono da bola.
Todo gol que o outro time / Fazia, era
roubado. / Ou tinha sido com a mão, / Ou de off side. Anulado.
O Juca dava rasteira, / Canelada,
cabeçada, / Aleijava a garotada, / Juiz não marcava nada. / O tranco mais
delicado / Dado no Juca, era pênalti. / E, quando alguém discordava, / O Juca
guardava a bola.
Ninguém brigava com Juca. / Juca era o
dono da bola.
Um dia, o Alfredinho achou / Que aquilo
era desaforo. / Driblou o primeiro. / Driblou o segundo, / Driblou o terceiro,
/ Driblou o quarto... /O Juca gritou: / “Passa que eu marco o gol, Alfredinho!”
/ O Alfredinho não passou, / Chutou e
fez o gol sozinho.
O Juca xingou a mãe dele. / Ele meteu a
mão no Juca. / (A garotada ficou assustada)
O Juca avançou pra ele, / Ele tornou a
dar no Juca. / (A garotada ficou animada).
O Juca avançou outra vez, ele então, / Jogou
o Juca no chão. / ( A garotada foi toda em cima do Juca).
Quando o Alfredinho voltou pra casa, / O
pai estava se queixando / Que o dinheiro que ganhava não chegava /
Pra alugar outra casa,
Ao menos com mais um quarto,
Pra botar seus nove filhos,
Para comprar mais comida,
Feijão pra seus nove filhos,
Pra comprar umas roupas,
Pra vestir seus nove filhos,
Pra pagar uma escola,
Pra educar seus nove filhos,
Pra pagar o pneumotórax,
Pra mãe dos seus nove filhos.
“Papai, porque que o dinheiro que você ganha não chega?” / “É pouco.” / “Porque que é pouco?” / “Porque o patrão paga pouco.” / “Papai, porque
que vocês / não pedem mais ao patrão?” / “O patrão despede
a gente / e a gente fica sem pão” / “Porque que o
patrão despede?” / “Porque ele é o dono das fabricas, / ele é o dono das maquinas.”
“Papai, porque que vocês / Não fazem
com ele / O mesmo que fizemos com o Juca?” / “Quem é o Juca?” / “Juca era o
dono da bola.” / “Que foi que vocês fizeram?” / “Tomamos a bola dele.”
Como
puderam perceber, a epígrafe desta minha homenagem a vocês está ao final deste
belo poema de Mário Lago.
Mas
há algo de interessante (e contraditório) nestas palavras, neste poema, desta
data, além, é claro, da Formatura de vocês. Afinal (e não é o fato mais
importante de um 19 de julho na história da humanidade ), hoje é o Dia Nacional
do Futebol.
É
verdade eu há atos e fatos na história da humanidade mais importantes. Como,
por exemplo, a vitória do exercito sandinista (Viva Sandino!) na Nicarágua, em
1979, ou a fundação do município de Assaré, no Ceará que, mais importante que a
infinita maioria dos intelectuais da Casa Grande (vulgo Academia Brasileira de
Letras) nos presenteou na história das letras com Patativa do Assaré.
Mas,
o Futebol aqui, no cai bem.
Queria,
neste momento, que nos enxergássemos como Juca e como Alfredinho. E quando falo
para nos enxergarmos, é apenas o nosso exercício de definir nossas trincheiras
(e, ao definirmos, também assim serão nossas bandeiras, nossas lutas, nossos/as
companheiros/as e/ou camaradas de luta, nossos sonhos coletivos).
Juca
e Alfredinho, bem possivelmente, passaram em nossas salas de aula, nos
laboratórios, nos trabalhos individuais e coletivos, nas nossas avaliações, em
nossas relações acadêmicas.
É
inquestionável que, nestes mais de quatro anos, vocês tenham conhecido e
convivido com Juca’s e Alfredinho’s. E essa convivência não era apenas uma
personificação. Juca’s e Alfredinho’s viam e se afastavam de vocês quando
pensavam em pesquisa, em trabalho, em escola... e muitas vezes eram Juca’s e
Alfredinho’s (agora sim, suas personificações) quem provocavam essas
convivências.
Vivemos
um mundo de Juca’s. O “Dono da Bola” do capital manda, também, no campinho, no
lado de fora do campinho, no juiz (e, portanto, nas suas regras e leis), na cor
do uniforme, quem pode (e quem não pode) jogar. Manda nas canções que
cantaremos entre uma partida e outra, no que beberemos e comeremos antes ou
depois de cada partida. Manda, também, no lugar em que jogaremos: qual a nossa
posição, o que fazer nesta posição, em defesa de que farei e contra quem
atacarei nesta posição.
Vemos
o Dono da Bola o tempo todo e ainda não identificamos (ou não nos
identificamos) como Alfredinho’s para este jogo.
Mas
é fácil compreender o que Alfredinho faria (além ou depois de tomar a bola do
Juca).
O
Campinho passaria a ser um lugar de todos, mas apenas de todos/as os/as
Alfredinho’s. Sim, lamento: Juca’s não terão vez em nosso Campinho, pois não
entenderão o que significa o campo ser de todos e, está na sua natureza,
tentarão sempre dizer que, no final das contas, o Campinho tem um dono. Eles
aprenderam isso tomando campos de índios, de campesinos, de quilombolas, de
moradores pobres da periferia e, portanto, farão de tudo para que eles mesmos –
índios, campesinos, quilombolas, pobres, homens e mulheres – percam o direito
ao Campinho...
O
lado de fora do Campinho tanto quanto importante como o próprio também será um
lugar para nós (já assumi meu lugar), Alfredinho’s. Porque é ao redor do
Campinho que estarão nossas casas e nossos quintais, nossas escolas, nossos
hospitais, nossas igrejas (desde que a serviço dos Alfredinho’s e de nós,
ateus), nossas plantações, nossas águas, nossas fábricas. E elas também serão
de todos/as.
O
Juiz representará apenas a nossa Lei: pobre, trabalhadora, mulher, negra,
campesina e lutadora. É essa Lei, como expressão da realidade que temos e a
possibilidade de sermos, todos/as, ver-da-de-i-ra-men-te FELIZ que iremos
escrever e fazer cumprir. E não precisaremos mais de juízes, porque a Lei não
precisará existir para que saibamos: nossos velhos são sagrados, nossas
crianças são nossa responsabilidade, nossos trabalhadore/as são imprescindíveis
e nossa felicidade é única e coletiva.
A
cor do nosso Uniforme? Ah! não há o que discutir (e não é por imposição, é por
coerência histórica): VERMELHA!, assim como será a nossa bandeira. Para que não
esqueçamos de todo sangue que correu por aqueles/as que nos antecederam e nem
de que lado estamos na história. O Campinho e tudo que o cerca ser de todos/as
não é apenas uma perspectiva. É uma necessidade e, por ser necessidade
histórica, é uma bandeira de luta... e ela precisa ser vermelha!
E
que todos e todas (como Todos e Todas de nosso humilde picadeiro) possam beber
e comer do bom e do melhor, celebrando o Campinho e tudo o que ele nos ensinou.
E
só jogaremos contra Juca. Apenas contra o que ele representa, quem ele
representa o porque ele representa. Precisamos tomar a bola para nós e fazermos
isso em defesa daquilo que realmente é certo, é verdade, é justo e para todos e
todas.
Mas,
há um detalhe, caros companheiros e companheiras, agora, Trabalhadores e
Trabalhadoras da Educação.
Precisamos
cantar... Celebrar o lado em que estamos, como quem estamos, por quem estamos
sem música, não é uma celebração. E vocês, talvez sem saber, bem possivelmente
sem terem planejado, tocaram uma canção em seus computadores em sala de aula e
que novamente foi cantada na Aula da Saudade que muito representa a este
caminhante professor e aprendiz de Lutador do Povo.
Uma
canção que desde minha infância, com outros artistas, cantores e canções que
regavam o ambiente de minha casa, sempre se fez presente e, quanto mais
avançava em meu aprendizado de Lutador do Povo, mais a voz e a canção se faziam
presentes.
Mercedes
Sosa, La Negra, em minha humilde opinião, deveria ser a homenageada de Lutas, a
homenageada de Canções, a homenageada de Universidades, junto com grandes
outros/as Lutadores do Povo. E, portanto, que possamos cantar e dançar sua “Canción com Todos!”
Porque
certamente essa canção é celebrada pela Revolução Sandinista de 1979, na
Nicarágua... É justo que possa também ser cantada e bailada neste 19 de julho
de 2013.
“Salgo a
caminar / Por la cintura cósmica del sur / Piso en la región / Más vegetal del
tiempo y de la luz / Siento al caminar / Toda la piel de América en mi piel / Y
anda en mi sangre un río / Que libera en mi voz / Su caudal.
Sol de alto
Perú / Rostro Bolivia, estaño y soledad / Un verde Brasil besa a mi Chile / Cobre
y mineral / Subo desde el sur / Hacia la entraña América y total / Pura raíz de
un grito / Destinado a crecer / Y a estallar.
Todas las
voces, todas / Todas las manos, todas / Toda la sangre puede / Ser canción en
el viento.
¡Canta
conmigo, canta / Hermano americano / Libera tu esperanza / Con un grito en la
voz!”
É
assim, queridos PROFESSORES de Língua Espanhola, hoje, formados pela
UFPA/Castanhal.
Minha
alegria de poder conviver com vocês ali, na reta final da vida acadêmica de vocês,
tem o tamanho do coração e das lições de Alfredinho, tem a voz e a canção de
Mercedes Sosa, tem dos desafios e os sonhos dos Sandinistas. E que eu possa
testemunhar o retorno de vocês à essa casa que, é preciso reconhecer, ainda
pertence ao Juca, ainda pertence à elite dirigente deste país. Por mais que
tenhamos a boa sensação de que estamos vivendo um tempo de transição do que a
Universidade Brasileira (pública, laica, gratuita) representa, mas ainda
precisamos mais.
Disse-lhes
ao final de nossos encontros acadêmicos: vocês continuam fazendo parte desta
casa. Espero que retornem a ela, em outra condição, mas do lado de cá das
trincheiras do dia-a-dia.
E
que este dia 19 de julho não seja apenas o Dia Nacional do Futebol. Mas seja o
dia em que tomamos a bola para nós. Porque somos Lutadores e Lutadoras do Povo.
Vida
Longa à Turma Rita de Cássia Paiva.
Vida
Longa!
Marcelo “Russo”
Ferreira
Gostei muito professor!! Vou guardar com muito carinho e sempre refletir em suas palavras!! Nunca me conformarei com os Jucas!! Quem sabe que quando eu crescer possa ser igual a vc!! Não é uma "broma".
ResponderExcluirBesitos, Marília Cruz.
Querida Marília... Se "ser igual" significar sermos companheiros, então seremos iguais...
ResponderExcluire já estamos construindo esse nosso "lugar" comum...
Vida Longa!
abreijos
Há braços!