Caros amigos e amigas presentes
neste ato de formatura da turma 2009 de Educação Física da Universidade Federal
do Pará, Campus Castanhal...
Colegas Docentes e Dirigentes aqui
presentes... em particular à colega Raquel, homenageada pela turma.
Convidados e familiares dos
formandos...
Caríssimos e Caríssimas Professores
e Professoras de Educação Física, hoje formados.
Minhas Saudações.
Cá estão vocês, se formando mas, e
lamentamos bastante, com muitos de seus colegas ausentes. Se por um lado,
ausentes por questões de organização acadêmica de cada um, por outro, por conta
de tempo de turbulência da Universidade Pública em nosso país. Convivi com essa
turma nos tempos mais tumultuados de nossa Educação Brasileira nestes últimos
anos que, dentre outros, fizeram com que vocês vivenciassem duas greves: uma na
educação municipal (em tempos de estágio de vocês nas escolas) e outra aqui
mesmo nesta casa. Mas, prefiro entender que vocês, na verdade, vivenciaram
tempos e lutas importantes na educação brasileira, local e nacional, expressos
nestes dois fatos. É claro que, de minhas saudações aqui, nesta noite, LUTA é a
minha palavra de ordem.
Mas, interessantes são os caminhos
percorridos para estarmos aqui hoje. Datas diferentes, expectativas à flor da
pele, adiamentos para, enfim, estarmos aqui. Nós, docentes e dirigentes, meros
espectadores e figurantes da Celebração de vocês... E falo isso sem falsa
modéstia. É uma lição amadurecida rapidamente, já com os seus colegas de
outrora, das turmas que os antecederam.
Mas deste amadurecimento de uma
ideia, de uma lição, a história da Turma 2009 nos trouxe à esta celebração
hoje: 04 de outubro.
Como sempre, vou um pouco à
história, buscar lições que, mesmo divergentes entre nós, parecem-me
importantes. Mas, por um pequeno detalhe de nascedouro, vocês não incluíram
essa data, 04 de outubro, e a Formatura de vocês em uma das datas pessoais,
particulares... militantes... revolucionárias mais importantes de minha vida.
Foi ontem, 03 de outubro, que celebramos o Centenário de Hiram de Lima Pereira. Meu avô, jornalista, militante e dirigente político do Partido Comunista Brasileiro, poeta e ator popular premiado em seu tempo... Homem de ideias libertárias, humanas e por ser um homem de ideias que, a seu tempo, eram críticas, revolucionárias, foi calado pelo Estado brasileiro.
Em Hiram
de Lima Pereira, gostaria de traduzir minha imagem de homem, lutador do povo,
em vocês. Em minha opinião, vontade ousada (em que pese a ousadia ser o que me
dá sentido à vida), pois é sabido entre nós que não dividimos a defesa do mesmo
Projeto Histórico de Sociedade, como tal, radicalmente. Defendemos coisas
comuns, na nossa área, na Educação e até mesmo nas relações humanas. Mas é a
defesa do Projeto Histórico que nos coloca lado a lado ou não.
Digo
isso porque falo não apenas de um jornalista (ou o jornalista), artista, poeta,
avô, camarada, pensador. Falo, também, de um militante... e de um militante
comunista. E traduzir a imagem dele em vocês é, na minha ousadia, também
traduzir sua postura e luta por uma sociedade socialista e, em sua expressão
superior, comunista.
Disse
uma vez do “Velho” (meu pai se referia a ele assim) que minha memória me levava
a apenas uma manifestação, infantil, uma brincadeira: “Serra, serra, serrador / Serra o papo do vovô / Quantas tábuas já
serrou? / 1, 2, 3, fora uma que quebrou!”. Brincadeira de nosso imaginário folclore
infantil, compõe minha memória que, também, me levam a outras, aquelas acerca
da ausência do Velho. Da dúvida à certeza de sua prisão nos porões da Ditadura,
em 1975, e eu nem entendia isso direito.
A minha
primeira lição (e lição nunca será exemplo ou conselho) é exatamente essa: que
possamos definitivamente escolher de que lado estamos, agora, como professores
que estão se formando. E espero que façam a escolha do povo. E em tempos em que
acompanhamos as atrocidades e violência das Polícias Militares gaúcha e carioca
contra professores em greve – ao ponto de uma professora no Rio ter morrido
nestes confrontos – parece-me que está bastante claro para nós QUAL é o lado
que temos que escolher.
Escolha,
em minha opinião bastante justa, se não nos esquecermos que, mesmo com todos os
percalços até aqui, vocês ainda estão se formando em uma Universidade Pública.
E que pena que ainda tenhamos que amadurecer muito a nossa Universidade em
nosso país, uma Universidade que ainda dá as costas ao povo que a sustenta.
Nunca me
cansarei de manifestar as palavras de Ernesto Che Guevara, em outubro de 1959
(não exatamente em 04 de outubro) quando falava da árdua tarefa que os jovens,
não apenas eles, precisam assumir em nome de seu povo, dentro da Universidade.
E aqui, repetirei, ipsis litteris, o
que já disse a seus colegas em formaturas anteriores, sobre o compromisso desta
Universidade (e, portanto, também de vocês): o compromisso com a luta dos trabalhadores, dos
jovens, dos pobres, dos campesinos [e] que a Universidade se incorpora à sua
real tarefa quando os estudantes se incorporam às práticas sociais para o
crescimento de sua nação e sua soberania. (...) precisamos pintar a
Universidade de preto, de povo, de operário, de camponês. Precisamos pintar a
Universidade de índio, de mulher, de trabalhador. E que sejam abertas as portas
das universidades aos párias e segregados por razões sociais ou econômicas.
Como diria o Comandante “a
tarefa é muito grande, tão grande que não é possível resolvê-la
individualmente: ou a resolvemos todos juntos ou fica sem resolver”.
O
Velho Hiram estava certo, mesmo nunca tendo dito nada à minha pessoa, aos meus
ouvidos. Mas o disse em sua história. Nosso lado só pode ser o da classe
trabalhadora. Essa é a primeira lição.
Mas
é também em outros dois “04 de outubro” – que é a data em que estamos
celebrando a formação de vocês, Professores de Educação Física – que gostaria
de também prestar minha homenagem.
A
história de homens e mulheres sempre nos possibilitará celebrarmos nascimentos,
tanto quanto nos desafiará a aprendermos celebrarmos as despedidas, que
conhecemos também como “Morte”. Em 04 de outubro de 1917, nascia Violeta Parra,
chilena e considerada em seu país como a mãe da canção comprometida com a luta
dos oprimidos e explorados, além de canções de lirismo, poesia e emoção
inquestionáveis. Em 04 de outubro de 2009, partia Mercedes Sosa, argentina, La Negra, cujas canções refletiam o seu
movimento musical com africanas,
cubanas, andinas e espanholas marcado por uma ideologia de rechaço ao
imperialismo norte-americano, ao consumismo e às desigualdade sociais.
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Violeta Parra |
Violeta,
que nasceu em um 04 de outubro, partiu por sua tristeza pessoal e política.
Mercedes venceu em vida o período de ditadura de seu país. Ambas, mulheres,
cantoras, artistas que cantavam seu povo, sua história, sua canção.
Não sei
se vocês se emocionam ou se emocionariam (caso nunca as tenham escutado) com
suas canções. Gosto de escutá-las em meu silêncio, gosto de tocá-las e
cantá-las em paz e com amigos/as... com companheiros/as... com camaradas...
Suas
canções me ensinam a Celebração. E aqui estamos celebrando e esta é a minha
combatente, militante e humilde maneira de homenageá-los e celebrá-los. Com as
canções de Violeta Parra e Mercedes Sosa.
Violeta
Parra escreveu uma canção que, dentre inúmeras gravações, recebeu uma
maravilhosa da própria Mercedes Sosa e Milton Nascimento. “Volver a lós 17”:
“Meu passo retrocede quando o de vocês avança / O
arco das alianças penetrou em meu ninho / Com todo seu colorido passeou por
minhas veias / E até a dura corrente com a qual nos prende o destino / É como
um diamante fino que ilumina minha alma serena / ... / O que pode o sentimento
não o pode o saber / Nem o mais claro proceder, nem o maior dos pensamentos /
Tudo o muda num momento qual mago condescendente / Nos afasta docemente de
rancores e violências / Só o amor com sua ciência nos torna tão inocentes”
Talvez pareça, aparentemente, piegas falarmos do
Amor de Violeta Parra. O amor pelo seu povo, pela sua canção, pela sua
liberdade. Amor Revolucionário, por que não? Mas de qual amor estamos falando? Entenderíamos,
afinal, as palavras de Che sobre o Amor? Dizia Che: “Deixe-me dizer-lhe, correndo o risco de parecer
ridículo, que o verdadeiro revolucionário é
guiado por grandes sentimentos de amor...”.
Se nossa convivência – e acredito profundamente
que sim – deixou nestes tempos de relação pedagógica boas lembranças, importantes
memórias, necessárias lições, que o Amor também faça parte disso. Lembremos,
por exemplo, de Válery, a personagem que contou sua história a Evey, em “V de
Vingança”... Lembremos apenas das palavras finais dela: “mas o que mais quero é que você entenda, quando
digo que ainda que eu não te conheça, apesar de talvez jamais encontrar você,
rir com você, chorar com você ou beijar você, eu te amo de todo coração, eu te
amo.”.
Que lição é essa, caros Professores e
Professoras de Educação Física? Por que uma “lição de amor” é tão importante?
Qual seu sentido? Qual seu significado?
Amamos o que fazemos... Amamos aquilo que nos
tornamos profissionalmente... Talvez seja isso. Mas, ouso (continuo fazendo
isso) instigá-los a algo que, em minha opinião, levará nossos sentimentos a um
lugar mais longe. Que possamos romper fronteiras em nosso amor pelo que fazemos
e, também, por quem o fazemos. E que cada transformação que operarmos a cada
dia em nosso trabalho docente, que possamos encontrar esse amor que transforma,
esse Amor Revolucionário... como um diamante fino que ilumina nossa alma
serena. Lembremos: Evey lia as cartas
em papel higiênico escritas por Válery. Ao final, emocionada e serenamente, ela
não tinha mais medo de nada. Estava completamente livre.
Voltando
a Violeta Parra, “Volver a lós 17” parece-me uma canção tão bela quanto
“Gracias a La vida”, também cantada por Mercedes Sosa. Gosto de cantá-la pois a
aprendi também em minha infância, ficou adormecida durante mais de uma década até
eu reencontrá-la em meus aprendizados com os lutadores e lutadoras do campo, já
em minha vida universitária. “Gracias a La Vida” é um refrão curto, e que
sempre obstinar-se-á a ser deliciosamente cantada, assoviada, solfejada...
Mesmo que com olhares diferentes, mais particulares ou
mais coletivos. Afinal, fechemos os olhos e “cantemos” da maneira que a
queiramos cantar: “Graças à vida que me deu tanto / Me deu dois olhos
que quando os abro / Distinguo perfeitamente o preto do branco / E no alto céu
seu fundo estrelado / E nas multidões o homem (e a mulher) que eu amo (...) /
Me deu o ouvido que em todo seu comprimento / Grava noite e dia grilos e
canários / Martírios, turbinas, latidos, aguaceiros / E a voz tão terna de meu
bem amado (e minha amada). (...) / Me deu o som e o abecedário / Com ele, as
palavras que penso e declaro / Mãe, amigo, irmão / E luz iluminando a rota da
alma do que estou amando (...) / Me deu a marcha de meus pés cansados / Com eles
andei cidades e charcos / Praias e desertos, montanhas e planícies / E a casa
sua, sua rua e seu pátio (...) / Me deu o coração que agita seu marco / Quando
olho o fruto do cérebro humano / Quando olho o bom tão longe do mal / Quando
olho o fundo de seus olhos claros (...) / Me deu o riso e me deu o pranto / Assim
eu distinguo fortuna de quebranto / Os dois materiais que formam meu canto / E
o canto de vocês que é o mesmo canto / E o canto de todos que é meu próprio
canto”...
A
fortuna e o quebranto, ambos compõem meu canto e o canto de vocês que é o mesmo
canto e o canto de todos, o meu próprio canto...
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Mercedes Sosa |
Gracias a la
vida! Gracias a La vida!...
Tenho que aqui reconhecer nossa pontual diferença.
O Cristianismo de vocês (e, possivelmente, de seus pais, mães, irmãos, irmãs,
esposos, esposas, filhos, filhas, amigos aqui presentes e seus tantos outros e
outras próximas) e meu Ateísmo. Valores religiosos, espirituais, diria, opostos
e que conviveram dia-a-dia nestes tempos de formação tranquila e respeitosamente.
Alguns aqui dirão, agora, que é o milagre que percorre o coração de vocês.
Outros, talvez, delinhem pela mera coincidência. Eu prefiro a história e que,
sempre e constantemente, nos reserva os presentes mais interessantes, curiosos
e, claro, revolucionários. Mas, entendo que Mercedes Sosa, agora não como
interprete de Violeta Parra, mas como também compositora, traz uma justa e bela
saudação, ao momento desta celebração e as intenções de minhas palavras. É em
uma de suas canções que, sempre que a interpretava, levantava multidões (alias,
eram muitas as canções que faziam isso). Acreditem: eu adoro esta canção e aqui
também presto minha homenagem a vocês: “Solo Le pido a Dios” ou, como quiserem, Eu só
peço a Deus:
“Eu só peço a Deus / Que a
dor não me seja indiferente / Que a morte não me encontre um dia / Solitário
sem ter feito o que eu queria (...) Que a injustiça não me seja indiferente /
Pois não posso dar a outra face/ Se já fui machucado brutalmente (...) / Que a
guerra não me seja indiferente / É um monstro grande, pisa forte / Toda foram
de inocência desta gente”.
Percebam... nas palavras de Mercedes Sosa, elevando
sua canção a Deus, sua convocação mais humana, em busca de sua verdadeira,
revolucionária e profunda humanidade. Que não sejamos indiferentes à dor, à
injustiça e à guerra. Vivemos isso, ou melhor, somos expostos em nossa
sociedade, essa pela qual nós lutamos contra, todos os dias. Vemos a dor
alheia, a injustiça distante, a guerra desconhecida e nada fazemos. E que
agora, como professores e professoras que somos, NÓS, exatamente assim, NÓS,
tenhamos coragem de nunca sermos indiferentes.
E é assim... Nós...
E quero, à guisa da conclusão desta minha
celebração à Turma Raquel de Magalhães Borges, reafirmar o que disse em nosso
último encontro coletivo, na disciplina que vocês mais gostaram em toda a
formação de vocês (Políticas Públicas): voltem à esta Universidade. Se não for
à ESSA Universidade, a UFPA, voltem à Universidade Pública. E que seja, não por
bairrismo, mas por labuta, para uma Universidade Pública no Norte do País. Ela
também precisa, cada vez mais, ser pintada de cabana... de cabocla... da
indígena... de quilombola... de campesina... de povo...
Se isso acontecer e tivermos que nos percebermos em
trincheiras opostas, que assim seja, pois já construímos nossas bases de
respeito, carinho e admiração recíproca. O que vier, que venha com nosso debate
franco, duro (se for o caso) e fraterno... mas que sejamos NÓS!
E é com uma canção dos argentinos Armando Tejada
Gómez e César Isella, também cantada por Mercedes Sosa, que faço minha saudação
final: A “Canción com Todos”:
“Todas as vozes, todas / Todas as mãos, todas / Todo o sangue pode / Ser
canção no vento / Canta comigo, canta / Irmão americano / Liberte tua esperança
/ Com um grito na voz”
Violeta
Parra, Presente!
Mercedes
Sosa, Presente!
Hiram
de Lima Pereira, Presente!
Eu
tenho certeza: estão cantando e dançando com vocês, exatamente agora!
À mim, apenas registrar minha
alegria de poder participar minhas palavras em uma data tão importante e que
assim como celebrei, ontem, o centenário de Hiram de Lima Pereira, hoje,
iniciamos a história do próximo centenário... o da Turma Raquel de Magalhães
Borges! O Centenário da Turma 2009 de Educação Física da UFPA/Castanhal.
Vida Longa à Turma Raquel de
Magalhães Borges!
Vida Longa!
Marcelo
“Russo” Ferreira